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Blog da Amara Moira

OPINIÃO

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Que negócio é esse de criptomoedas no futebol?

23/09/2022 13h48

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Quando o pix foi criado, prometendo facilitar e baratear as transações interbancárias nacionais, que agora poderiam ser feitas gratuitamente, instantaneamente e a qualquer hora do dia, eu fiquei bastante ressabiada. Seu surgimento se deu em fevereiro de 2020 e acredito que levei quase um ano para me sentir segura o suficiente para a primeira utilização, o que só rolou quando vi um casal de amigos comprando algo de um ambulante por meio da ferramenta. Eles tiveram a paciência de me explicar como funcionava, me mostraram a transação ao vivo e só depois disso resolvi ir atrás de cadastrar as minhas chaves (pouco depois, ainda acabei descobrindo que, mesmo sem cadastrar as chaves, era possível fazer uso da tecnologia).

Por que estou dizendo isso? Porque existe um tempo para nos acostumarmos com tecnologias inovadoras, mas que, depois que a gente se acostuma com elas, fica difícil até imaginar a volta do mundo anterior. Hoje, quando a pessoa me diz que "é antiga" e não faz pix, me dá até uma preguiça, de tão cotidiana que se tornou essa ferramenta na minha vida. Coisas similares aconteceram com as compras virtuais com cartão de crédito, com o internet banking, com as redes sociais, com a própria internet e agora, caso que ainda deixa todo mundo de orelha em pé, com as criptomoedas.

Recentemente ocorreu, na América Latina, a primeira contratação de um jogador do futebol masculino com esse expediente, com Giuliano Galoppo vindo do Banfield/ARG para o São Paulo, numa transação intermediada pela corretora Bitso (patrocinadora do clube paulista). Diante da surpresa desse anúncio, o que mais vi na imprensa esportiva brasileira foi desconfiança, até insinuações de que poderia tratar-se de algum golpe, tal é o medo que as criptomoedas causam nas pessoas.

O interessante, no entanto, é que foi a primeira transação apenas do futebol masculino na América Latina, porque o feminino já tinha estreado a ferramenta no começo do ano. Com uma jogadora brasileira inclusive, Stefanny Ferrer, transferida do time mexicano Tigres para o Angel City dos EUA. A própria transferência de Lionel Messi para o PSG envolveu criptoativos, algo com que a comunidade europeia já está bastante mais familiarizada.

Bom, não sou uma especialista no assunto, mas desde o final do ano passado venho me aventurando nesse mundo e, por conta disso, fiquei bem felizinha quando me deparei com a notícia. É só mais uma evidência de que a adoção de uma tecnologia nova pode demorar um tempo, mas quando as pessoas começam a se dar conta de o quão transformadoras elas são, já não é fácil continuar ignorando-as. O caso em questão tem muitos pontos para analisarmos, vou só sugerir alguns, para ir ajudando quem não tem nenhuma familiaridade com o assunto a se localizar.

Primeiro ponto é: existem trocentas criptomoedas e elas não são todas iguais. Não são nada iguais, quer dizer. Nem é preciso conhecer todas, mas vale a pena gastar algum tempo entendendo algumas em específico e as principais categorias. A transação do Galoppo, por exemplo, se deu com a moeda USDC, uma criptomoeda que tem seu valor pareado com o dólar, uma stablecoin. O que isso quer dizer? Que seu valor não oscila loucamente como os bitcoins da vida, oscila apenas o quanto a cotação do dólar oscilar em relação às demais moedas fiat ("emitidas por governos e bancos centrais").

Você pode estar pensando: se a USDC equivale a um dólar, por que não realizar a operação diretamente em dólares? Bom, em primeiro lugar, porque não é tão simples comprar dólares e as taxas envolvendo essa compra são relevantes. Em segundo, Argentina está vivendo uma crise econômica bem complicada e, por conta disso, o governo instituiu um valor irreal para a cotação das moedas estrangeiras, obrigando quem quer que queira trocar dólares por pesos argentinos a respeitar esse valor.

Diante do valor irrisório que foi fixado pelo governo, o que vem acontecendo é existir um câmbio paralelo, o "dólar blue", que está valendo mais ou menos o dobro do oficial. Percebam que, só nisso, ou o São Paulo teria que pagar o dobro para o Banfield receber o valor acordado ou o Banfield teria que aceitar bem menos do que o jogador efetivamente vale. Porém, esse valor oficial se refere exclusivamente ao dólar, não às stablecoins pareadas com o dólar, razão que levou os dois times a escolherem essa modalidade de transação.

O que o São Paulo fez, portanto, foi criar uma conta grátis numa corretora de criptomoedas, enviar para lá, via pix, em reais, o valor referente à contratação, comprar com esse dinheiro o equivalente em USDC e, então, enviar para a conta do Banfield. As taxas que se pagam nessas transações são ridiculamente baixas, comparadas com a grana que você desembolsaria se fosse enviar dinheiro para o exterior. Daí o Banfield, de posse desses ativos, poderia escolher entre converter esse valor para pesos argentinos (e enviar imediatamente para a sua conta bancária tradicional) ou guardar esses USDCs, esperando a valorização (a inflação argentina tem, dia após dia, desvalorizado o seu dinheiro perante o dólar).

Isso é proibido, ilegal? Não. Mas também não é um mercado muito regulado, com órgãos fiscalizadores e regras bem estabelecidas. Muitos países já começaram a pensar formas de regulamentar os criptoativos, mas na maioria dos casos a legislação é a pura gambiarra. De qualquer forma, eis uma maneira rápida, barata e, se você souber o que está fazendo, segura de enviar dinheiro para qualquer lugar do mundo, sem ter que lidar com a burocracia absurda que os governos impõem.

O Banfield terá que declarar a entrada desse dinheiro ao governo e pagar os impostos relativos a ele, mas isso será infinitamente mais barato do que fazer a transação pelos métodos convencionais, ainda mais tendo que respeitar o valor oficial fixado pelo Governo. Pois é, minha gente, escrevam o que eu estou dizendo: esse tipo de transação ficará cada vez mais rotineira, a ponto de num futuro próximo nem conseguirmos mais imaginar uma volta ao mundo de antes.

Se gostarem do conteúdo e quiserem que eu explore mais desse universo das criptos no mundo dos esportes, comentem aí e volto a escrever a respeito!