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Blog da Amara Moira

OPINIÃO

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A pedra no sapato da seleção brasileira nas Copas

20/11/2022 15h27

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A Holanda tem um número curioso em se tratando de Copas do Mundo: é a única seleção que chegou três vezes à final e conseguiu perder todas as disputas (pra Alemanha Ocidental em 1974, para a Argentina em 1978 e para a Espanha em 2010). No entanto, nem o título de seleção mais vezes vicecampeã ela detém, uma vez que a Alemanha foi derrotada em quatro oportunidades na finalíssima, tendo vencido outras quatro (sendo, portanto, a seleção que mais vezes chegou à decisão, com o Brasil em segundo lugar, com sete).
Curiosamente, apesar de nunca ter erguido a taça mais importante do futebol mundial, ela tem sido uma senhora pedra no sapato da seleção canarinho, sobretudo nas Copas mais recentes. Quem não se lembra da nossa eliminação nas quartas de final de 2010, com Felipe Melo dando assistência espetacular para Robinho no início do jogo, mas, no segundo tempo, fazendo o primeiro gol contra do Brasil numa Copa, falhando na marcação de Sneijder na virada quinze minutos depois e ainda protagonizando uma cena bizarra ao pisar em Robben, no chão, e ser merecidamente expulso.

Na Copa seguinte, a situação foi ainda mais humilhante. Disputa do terceiro lugar, com o Brasil nas cordas após o fatídico 7x1 para a Alemanha em Belo Horizonte, e a Holanda foi impiedosa com os donos da casa: 3x0 em Brasília, a cereja do bolo da malfadada Copa que acreditávamos que seria nossa. O detalhe é que, naquela ocasião, a Holanda era comandada pelo técnico Louis Van Gaal, o atual comandante da Laranja Mecânica. Segunda conquista do quarto lugar pelo Brasil, a outra sendo justamente após perder para a Holanda em 1974 e, com isso, ficar fora da disputa da final. Por sorte, os Países Baixos (nome oficial da Holanda) não se classificaram em 2018, deixando a tarefa de nos eliminar para a vizinha Bélgica.

Logicamente, o torcedor mais vivido pode se lembrar que em 1994 (por 3x2 nas quartas) e 1998 (nos pênaltis, na semi) foi o Brasil quem eliminou a Holanda, mas são disputas ocorridas há muito tempo, servem mais para estatística do que outra coisa. O que não se pode deixar de notar é que a Holanda é a única seleção a vencer o Brasil mais de uma vez nas cinco últimas Copas, feito que obteve mesmo não disputando a de 2018, na Rússia.

No Qatar, se ambas se classificarem em primeiro (ou ambas em segundo, vai saber), existe a possibilidade de um confronto entre as duas nas semifinais. Caso contrário, a final é o único lugar em que podem acabar se encontrando. A Holanda está no grupo A, com os anfitriões, o Equador e Senegal. Já o Brasil está no G, com Sérvia, Suíça e Camarões.

Seja como for, eu, que já nutria um fascínio enorme pela Laranja Mecânica desde os meus primeiros contatos com o futebol, tenho visto esse fascínio crescer nos últimos anos pelos posicionamentos políticos que essa seleção vem tomando. Como exemplo desses posicionamentos, pode-se citar ter sido dela a iniciativa de trazer uma mensagem pró-LGBTs para a Copa do Qatar, criticando a perseguição que o governo local promove em relação a essa população. A iniciativa denominada OneLove, que começou na Liga das Nações da UEFA, conta com o apoio de outras 9 seleções europeias: Inglaterra, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Suíça, País de Gales, Suécia e Noruega (as últimas duas não classificadas para a Copa).

Além disso, importante frisar que a Holanda tem sido uma das seleções mais corajosas em questionar os abusos cometidos contra trabalhadores migrantes durante a preparação do evento. Alguns dos jogadores mais destacados da seleção, como o zagueiro do Liverpool e capitão holandês Virgil Van Dijk e o meia do Barcelona Frenkie De Jong, se reuniram com representantes desses trabalhadores semana passada, para conversar sobre a situação enfrentada por eles no país (longos turnos de trabalho, em condições precárias), e a KNVB (federação holandesa de futebol) decidiu que irá leiloar as camisas usadas pela seleção, revertendo os lucros para ajudar na melhoria das condições desses migrantes.

Que esse seja o começo de um novo momento do futebol, com as seleções, os times e os jogadores percebendo que o esporte mais popular do mundo não se constrói num universo paralelo e, sim, na nossa própria sociedade. Sendo assim, é urgente tais figuras entenderem que seu papel não é apenas entregar o máximo dentro de campo: se elas deixarem de se preocupar em construir um futuro melhor para todos, pouco importa quantos gols marquem ou quantos títulos ostentem.

Minha torcida, nessa Copa, é para que iniciativas como as da Holanda se tornem mais e mais comuns e que o esporte assuma, cada vez mais, sua responsabilidade em construir um mundo livre de pobreza, racismo, machismo, LGBTfobia e xenofobia, fora tantas outras violações aos direitos humanos. A Holanda pode ter dificultado bastante para o Brasil nas últimas Copas, mas a verdadeira pedra no sapato que a gente precisa enfrentar não é exatamente a Holanda, mas as opressões sociais.