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Blog da Amara Moira

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Subestimar seleções asiáticas pode custar caro ao Brasil na Copa

05/12/2022 04h00

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Lá se vão seis meses da minha estreia como colunista esportiva aqui no UOL e, nesse tempo todo, não havia ainda vivido nenhuma experiência tão tensa como a da sexta-feira passada (2), quando apostei que Camarões ganharia do Brasil. Dos onze colunistas do UOL que participam das apostas, fui a única a acreditar na zebra e isso bastou para surgir uma enxurrada de comentários me desmerecendo enquanto comentarista. Fazia tempo que eu não me via alvo de uma quantidade tão grande de ódio gratuito, aliás. Muitos pediram a minha demissão imediata, outros disseram que era óbvio que eu não entendia nada de futebol, inúmeros argumentaram que o meu palpite "infundado" era explicado pelo fato de eu ser mulher, ou travesti, ou de esquerda (cada pessoa usava um desses atributos para desacreditar meu palpite).

E o que foi que aconteceu? Pois é, Camarões conseguiu um contra-ataque esperto nos acréscimos do segundo tempo e castigou o Brasil com a primeira derrota para uma seleção africana na história das Copas. Confesso que o palpite era mais o meu desejo de ver Camarões classificado (o que era até possível, bastava a zebra contra o Brasil e a Sérvia ganhar da Suíça por um gol de diferença) do que convicção a respeito do resultado. No final, mesmo com a vitória, Camarões acabou eliminado, com direito a requintes de crueldade: na primeira rodada, o gol que garantiu a vitória suíça sobre Camarões veio de um jogador camaronês naturalizado suíço, Breel Embolo, e ele voltou a marcar na rodada final da fase de grupos, na vitória de 3 a 2 sobre a Sérvia.

Bom, mas eu acertei, e daí? Isso significa que eu entendo horrores de futebol? Longe disso. Para quem, mesmo depois desses seis meses de colunas, ainda não se deu conta, nunca foi meu propósito fazer análises técnicas e táticas sobre partidas e jogadores. Minha área é outra: sou palmeirense, adoro acompanhar futebol, mas o que levou o UOL Esporte a me convidar para escrever essas colunas foi meu olhar sobre o que transcende as quatro linhas do esporte mais popular do mundo.

Em outras palavras, fui chamada para pensar como questões complexas como as relativas a gênero, sexualidade, raça e afins se manifestam no futebol, tanto dentro das quatro linhas, como nas arquibancadas, nos bastidores e nas redes sociais. Muitas vezes vemos pedidos para que essas questões fiquem de fora das discussões futebolísticas, mas como ficar de fora quando o tempo todo elas acabam vindo à tona lá?

Pensem comigo: torcedores argentinos, antes do começo da Copa, criaram uma música para atacar o craque francês, de origem camaronesa e argelina, Kylian Mbappé com insultos racistas, xenófobos e, pasmem, até transfóbicos (por causa de especulações sobre um possível affair entre ele e a belíssima modelo trans Ines Rau)... oras, se a ideia é discutir apenas futebol, qual a justificativa para usarem aspectos da vida pessoal do jogador para atacá-lo? Simples, porque futebol nunca se dissocia dos outros aspectos da sociedade.

O mesmo já aconteceu com Ronaldo Fenômeno e Romário, quando "flagrados" com travestis, o mesmo acontece o tempo todo quando a torcida se vale de ofensas racistas, machistas e LGBTfóbicas nas arquibancadas, o mesmo acontece quando ações extracampo de profissionais geram enormes discussões na imprensa e nas redes. Esse último ponto envolveria desde manifestações políticas de jogadores (como se deu recentemente com Neymar), até comportamentos tidos como problemáticos de alguns atletas (ser pego em aglomerações durante a pandemia, ir pra balada em véspera de jogo decisivo, ser visto em festas quando o time está em crise, etc.) e crimes que possam ter cometido (como nos casos, por exemplo, do goleiro Bruno, de Robinho e do ex-treinador do Atlético-MG, Cuca).

Um exemplo interessante a esse respeito se deu na última semana, quando um dos comentaristas mais respeitados do meio futebolístico afirmou, diante das vitórias do Japão sobre Espanha e Alemanha, que não seria possível determinar se a mesma seleção japonesa que disputou o primeiro tempo das partidas era a que voltou no segundo. A piada infame tem como base o velho racismo ocidental, que acredita que pessoas de origem asiáticas seriam todas iguais. Nem lhes passa pela cabeça que essa impressão (essa, sim, infundada) teria origem na pouca intimidade que temos com as culturas orientais, o que é especialmente absurdo se considerarmos a presença massiva de descendentes asiáticos no Brasil.

Além disso, percebam que, para ocultar o desempenho pífio de Alemanha e Espanha, o gracejo sugeriria que o Japão teria cometido um crime. Só isso explicaria as sensacionais vitórias japonesas, não é mesmo? Espero que essa tendência a subestimar toda e qualquer seleção não-sul-americana ou europeia não faça a gente pagar a língua novamente hoje (5/), contra a Coreia do Sul, assim como acabou de acontecer contra Camarões. Ou talvez seja justamente o que estamos precisando, para ganharmos um pouquinho de humildade.

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