Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Violência contra mulher segue tendo espaço no futebol
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"Eu acabo com minha vida mas com a sua antes." Essa frase, dentre as tantas ameaças de morte presentes nos prints de conversas entre o atacante são-paulino Pedrinho e sua ex-namorada, é a que mais me chocou. Me chocou porque um jogador de 23 anos, com futuro extremamente promissor, achou razoável ameaçar de morte a ex-companheira, ainda que isso signifique acabar com a vida dele também. O motivo para uma ameaça tão pesada? Pelo que se lê nas mensagens, Pedrinho acredita que foi traído e que a ex-companheira estaria usando coisas dadas por ele com outro homem:
"Paga de gatinha aí com meu celular, com as coisas que eu te dei, sua quenguinha. Vou ouvir minha mãe se não vou matar você por ódio, por ódio de usar minhas coisas com outro. Pagar de gata com outro, com o que eu dei, sua desgraçada, mendiga."
Nos comentários dessa e de outras publicações que repercutiram os prints, várias pessoas tachando a mulher (sem sequer a conhecerem) de "maria chuteira", "à procura de fama" e de "interesseira", com o que parecem estar defendendo a reação do jogador. Oras, se diante do que foi revelado, esse é o comentário que lhes ocorre fazer, isso é sintomático de o quanto a nossa cultura segue normalizando comportamentos violentos de homens em relação a suas companheiras, entendidas como meras propriedades suas.
E pouco importa se ela foi ou não infiel. Espero que um dia não seja mais necessário ter que dizer algo do gênero, mas, no momento, é preciso reafirmar que infidelidade (ou mesmo a suspeita de infidelidade) jamais deveria ser motivo para ameaçar, agredir ou até matar uma mulher, situações bastante comuns no Brasil. Digo "não deveria ser motivo" porque, infelizmente, no momento isso ainda "é" entendido como um motivo, o que a troca de mensagens de Pedrinho revela perfeitamente.
E o fato de frases como essa continuarem a ser ditas e aceitas como normais, mesmo hoje em dia, significa que esse tipo de comportamento segue sendo ensinado. Ensinado? Sim, pois não podemos tratar como instintivo esse tipo de reação. Não é algo que se faz por "ser homem", mas algo que se aprende ao longo da vida, com exemplos vindos de todo lugar e, nesse sentido, se é um comportamento aprendido, o necessário no momento é entender de que maneira podemos desaprendê-lo e como ensinar outras coisas no lugar.
O processo de Pedrinho ainda está no começo e corre em segredo de justiça, então faz sentido esperarmos novos elementos antes de quaisquer conclusões, mas o mínimo que se pode fazer é afastar o jogador, enquanto as investigações avançam. Daí serem problemáticos os posicionamentos tanto da torcida organizada do São Paulo (e/ou de seus líderes) defendendo a reintegração do atacante, quanto do presidente da SAF do América-MG, antigo time de Pedrinho, que abriu as portas para o retorno do jogador (condicionando a volta a um "tratamento" para "entender que o que ele fez é grave, e não se passa borracha").
Um ponto interessante da posição do presidente da SAF é considerar que não se deve simplesmente jogar no lixo uma pessoa pelos erros que ela cometeu e, sim, pensar formas de recuperá-lo e transformá-lo. Mas essa ação de recuperação parece ainda muito genérica, pura maquiagem para blindar o clube. A impressão é que, diante de uma questão tão delicada, a única coisa que importa para as equipes, ou seus torcedores, é o mérito esportivo. Quando é que o futebol masculino vai começar a se importar de verdade com mulheres? Quando é que vai começar a propor ações que combatam o machismo que vitima 50% da população brasileira? Quando é que o futebol vai deixar de ser parte do problema para começar a ser solução?
Algo similar está acontecendo na Premier League com Mason Greenwood, jogador do Manchester United. Após a revelação de áudios e imagens estarrecedores no começo de 2022, nos quais o jogador apareceria forçando sua ex-companheira a fazer sexo com ele, Greenwood chegou a ser preso, mas dois meses atrás, as acusações foram surpreendentemente retiradas e o processo acabou encerrado. Aos olhos da justiça, portanto, o jogador seria inocente, mas os áudios e imagens divulgados pela ex-companheira não permitem que ninguém acredite tranquilamente nessa resolução.
Diante disso, a situação de Greenwood no United se tornou insustentável. Afastado do elenco desde janeiro de 2022 e sem conseguir ser reincorporado mesmo após a retirada das acusações (saíram, inclusive, várias matérias falando sobre a resistência do próprio time feminino do United, atual líder da Premier League, em aceitar o retorno do jogador), o que se especula é uma transferência para outra equipe. O Milan, semifinalista da Champions League, é um destino aventado e, dentre todas as matérias que encontrei falando sobre a possível transferência, nenhuma revelava nenhum descontentamento com um gigante europeu contratar um jogador envolvido até o cabelo com acusações de estupro.
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