Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Cuca blefou de novo, só não imaginou que agora pagaríamos pra ver
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O alvoroço em torno do crime cometido em 1987, em Berna (Suíça), envolvendo Cuca e outros três companheiros, quando todos jogavam pelo Grêmio, havia começado em outubro de 2020, momento em que o Santos surpreende a todos com o retorno de Robinho ao time (10/10/2020). A notícia da contratação do jogador, que havia acabado de ser condenado em segunda instância na Itália por estupro coletivo de uma jovem de origem albanesa, caiu como uma bomba na sociedade e a indignação coletiva, agravada pela ameaça de debandada de patrocinadores, acabou fazendo com que o Santos voltasse atrás na contratação. Cuca era o treinador da equipe naquele momento e foi dele a seguinte declaração em apoio ao jogador:
"Quero ter um tempo maior para falar. Agora não é hora de a gente falar desse tema. Tivemos bastante conversa, com diversas pessoas do clube, em cima dele. Ele, pra mim, é uma pessoa maravilhosa, um exemplo de jogador, sempre foi corretíssimo em todas as atitudes que ele teve. A gente não tem um momento da carreira do Robinho que deva ser denegrido. Tem o episódio fora do campo, que está sobre júdice, e a gente tem que aguardar. É um tema para falar com mais calma. O que eu puder fazer para ajudar o Robinho em vida eu vou fazer."
A contratação e, junto com ela, a declaração de apoio de Cuca foram o estopim para que a cabulosa história dos quatro mosqueteiros gremistas condenados na Suíça retornasse aos holofotes. Quem começou o movimento? Difícil dizer, talvez algum perfil nas redes sociais (a referência mais antiga que encontrei foi um post bem minucioso no reddit denominado "O técnico Cuca e o estupro de Berna", publicado em 12/10/2020), mas poucos dias depois já havia notícias a respeito em grandes portais e na mídia alternativa. Protestos tímidos começaram a existir nesse momento, sobretudo entre setores da militância, mas nada que forçasse Cuca a dar uma declaração oficial sobre o caso.
No entanto, em fevereiro de 2021, quando o seu nome passou a ser ventilado na imprensa como possível treinador do Atlético-MG, a indignação já tinha ganhado força e a hashtag #CucaNão entrou para os assuntos mais falados das redes sociais. A indignação coletiva, dessa vez, levou Cuca a gravar um depoimento sobre o ocorrido. Nele, o treinador reafirma-se inocente, diz que foi julgado à revelia (ou seja, "sem conhecimento da parte interessada") e que lembra apenas vagamente dos fatos. Apesar disso, ele é convicto em afirmar: "não houve nada, não houve estupro como falam, houve uma condenação por ter uma menor adentrado o quarto e simplesmente isso, não houve abuso sexual, não houve tentativa de abuso sexual, coisa assim". O que ele quis dizer com isso? Que a menor só estava lá, de boa, conversando com eles ou que o ato sexual, coletivo, envolvendo a menina de 13 anos "não era nada demais"?
Importante frisar aqui que pouco importa se a menina quis ou não. Ela pode ter desejado manter relações sexuais com os jogadores, pode ter até flertado com eles, subido ao quarto deles com essa intenção (pode inclusive já ter feito isso antes, com outras pessoas), mas nada disso importa: eles eram os adultos presentes, eles deveriam simplesmente dizer que não ia rolar, que ela tinha 13 anos e eles eram maiores de idade e ponto. Algo a se frisar aqui é que, se a condenação dos envolvidos foi realmente de pouco mais de um ano de pena e o motivo foi relação sexual com uma menina de 13 anos, temos aqui uma prova concreta do machismo do Judiciário suíço. É simplesmente inacreditável que a pena tenha sido tão baixa.
De qualquer forma, Sérgio Coelho, o presidente recém-emposssado do Atlético-MG, valeu-se dessa entrevista (02/03/2021) para botar uma pedra sobre o assunto e contratar Cuca três dias depois. O treinador mais vitorioso da história do time mineiro estava de volta, para mais uma temporada de grandes conquistas. A imprensa caiu no blefe, comprou a sua versão da história e tudo ficou por isso mesmo. O curioso é que o Atlético-MG, seis meses antes, havia tentado contratar o jogador colombiano Sebastian Villa, do Boca Jrs, mas diante da indignação de sua torcida desistiu. O motivo? O jogador, pedido por Jorge Sampaoli (então técnico do Galo) tinha sido acusado de agressão à ex-companheira e o presidente do clube, Sérgio Sette Câmara, usou suas redes sociais para avisar que a contratação estava descartada, trazendo no post a hashtag #vireessejogo (que tem relação com as lutas contra a violência de gênero).
Completamente outro é o cenário que temos agora, com o #ForaCuca que se houve desde sua contratação (e agora saída) do Corinthians. Pode-se alegar que isso teve relação direta com o fato de o alvinegro paulista ter a segunda maior torcida do Brasil ou, então, de o clube ter se notabilizado pela defesa a pautas sociais, em especial as feministas, como o #RespeitaAsMina, mas não se pode negar que, dessa vez, houve um comportamento distinto por parte da imprensa, que não se contentou com a nova declaração de inocência de Cuca (feita em sua apresentação como treinador do Corinthians), que agora alegou que só estava no quarto na hora e que a vítima não o reconheceu.
Perfis nas redes sociais começaram a publicar material colhido diretamente junto à imprensa suíça, como no caso da matéria do jornal "Der Bund", que trazia dados mais concretos sobre a condenação e mencionava explicitamente a existência de sêmen de Alexi Stival (o Cuca) e Eduardo no corpo da menina. Diante da pressão de pesquisas feitas por simples internautas, jornalistas começaram a ir atrás de outras perspectivas sobre o caso e foi só então que obtiveram tanto o posicionamento do Tribunal Superior de Berna recomendando a matéria do "Der Bund" como fidedigna (o processo tem sigilo de 110 anos, estando inacessível, portanto), quanto a entrevista com o advogado que defendeu a garota à época, Willi Egloff, que disse ser mentira a alegação de Cuca sobre não ter sido reconhecido e que reafirmou ser verdade o fato de o sêmen do então jogador ter sido encontrado no corpo da vítima.
Cuca acreditou (e a direção do Corinthians também) que a sua versão poliana seria novamente o suficiente para calar quem insistisse em pressioná-lo com a história. Ele não imaginava que o jornalismo, a partir de agora, começaria a fazer seu trabalho de investigação, trazendo novas fontes e fatos para o caso. Cuca blefou outra vez, só que, agora, pagamos para ver e essa lengalenga que ele vem contando não foi mais o bastante para ele silenciar o debate.
Se ele ainda sonha em ser treinador de grandes equipes brasileiras, Cuca terá que entender a gravidade do que aconteceu e aprender a falar sobre o caso. Torço, sinceramente, para que o silêncio e a reclusão não sejam a resposta de Cuca ao turbilhão que se criou. Toda a sociedade tem a ganhar com isso, sobretudo a parcela masculina que insiste em minimizar o tamanho dessa questão, pois é muito provável que prestem mais atenção às palavras dele do que às de tantas feministas que discutem há décadas sobre violência contra a mulher.
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