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Blog da Amara Moira

OPINIÃO

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O gol de milhões do Bigode é a resposta que o futebol precisa

11/05/2023 13h08

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Cerca de dois meses atrás, assistíamos incrédulos à polêmica das criptomoedas envolvendo Scarpa, Mayke e William Bigode e agora vemos o futebol chafurdar com as denúncias a respeito da Máfia das Apostas. O que há de comum em ambos os casos é o desejo de ganhos monetários fáceis e imediatos, tanto com Scarpa e Mayke investindo milhões de reais numa expectativa de rendimento de 5% ao mês (o que, na prática, faria com que o dinheiro duplicasse a cada um ano e três meses), quanto com jogadores fraudando sites de apostas esportivas em troca de somas vultuosas, que incrementam consideravelmente seus holerites no final do mês.

O discurso do dinheiro fácil tem ganhado cada vez mais espaço na sociedade, sugerindo que qualquer pessoa pode ficar rica seja jogando pôquer online, seja transacionando alguma criptomoeda xis hype do momento (que terá valorização estratosférica por alguns instantes e em seguida desaparecerá, destruindo as finanças de inúmeros incautos que investiram dinheiro nela), seja apostando que determinados eventos ocorrerão numa dada partida e renderão retorno gigantesco a quem acertar.

E não estamos falando apenas de jogadores de times que só ficam empregados durante os estaduais, ou enquanto resistem na Copa do Brasil, ou mesmo de times de divisões e regiões com pouca visibilidade e financiamento, mas da elite do futebol nacional. A investigação deflagrada pelo Ministério Público de Goiás, denominada "Penalidade Máxima 2", está mostrando que a manipulação de jogos pode ter se infiltrado profundamente no futebol brasileiro, talvez o maior escândalo de corrupção de que temos notícia.

Bolsonaro tem enorme responsabilidade nisso, não nos esqueçamos, pois, após a aprovação da operação de sites de apostas no Brasil, ocorrida no apagar das luzes do governo Temer (12/12/2018), cabia ao presidente seguinte regulamentar a atuação de tais sites no prazo de dois anos, prorrogáveis por mais 2, mas a regulamentação jamais ocorreu. O governo Lula agora corre contra o tempo para efetuar a regulamentação, através de uma medida provisória.

Mas voltemos ao dinheiro fácil. Scarpa e Mayke perderam somas que 90% da população, talvez mais, nunca terão nas mãos. Possivelmente se recuperarão logo de tais prejuízos, em função de seus salários exepcionais, mas a pergunta que fica é: por que um jogador que possui já tantos milhões na conta deseja multiplicar esse dinheiro sem nenhum esforço, colocando em risco todo o seu patrimônio? Investindo de forma conservadora, os R$ 6,3 milhões de Scarpa poderiam render quase R$ 1 milhão ao ano, ao que se somariam ainda os valores que ele conseguisse poupar de seu salário milionário.

Lidando com a situação da perda milionária, o futebol do melhor jogador do Brasileirão 2022 começou a não render o que se imaginava e Scarpa agora amarga a coadjuvância no modesto Nottingham Forest da Inglaterra, time que luta para não ser rebaixado e que tem visto outro ex-palmeirense, Danilo, brilhar e se consolidar cada vez mais na titularidade. Mayke, por sua vez, apesar de ver-se metido na mesma encrenca, conseguiu manter o foco e está dando dúvidas para Abel Ferreira sobre quem é o dono da lateral direita, se ele ou Marcos Rocha. Ontem, contra o Grêmio, teve gol seu, assistência e ainda foi um dos melhores em campo. Terá o treinador palmeirense alguma responsabilidade em manter o atleta concentrado nos jogos, convencendo-o que esse é o jeito mais eficaz de recuperar a soma perdida?

Quanto a William Bigode, o jogador pediu até para ser transferido do Fluminense para o Athletico após explodir o escândalo das criptomoedas e, ontem, contra o Internacional, no Beira-Rio, ele deu a resposta que se espera dele, com o golaço que decretou a vitória paranaense na partida.

Que esse lance extraordinário, assim como o gol de letra de Everton Ribeiro e outras tantas exibições de gala da atual rodada (a primeira depois das revelações extraordinárias da operação "Penalidade Máxima 2"), nos ajude a recuperar o prazer de assistir, comentar e acreditar no futebol. Espero que, diante de todos esses acontecimentos, consigamos também avançar nos debates sobre organização financeira e investimentos, para que não fiquemos tão reféns desse discurso tão perigoso quanto sedutor do enriquecimento fácil e instantâneo. Até porque esse discurso, diferente do que tem prometido, tem levado à ruína a maioria das pessoas que se deixam seduzir por ele.