Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Torino x Juventus: quando a classe operária derrubou os donos da Ferrari
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Este sábado será um dia muito especial para mim. Estou muito feliz e bastante emocionado porque fui convidado para participar da transmissão Torino x Juventus, na ESPN, às 13 horas, pelo Campeonato Italiano. Estarei junto com Fernando Nardini na narração, Fernando Campos nos comentários e Leandro Sarhan na produção.
Foi neste canal que comecei como comentarista, convidado por um dos meus mestres, José Trajano, diretor da emissora na época. Fiquei lá de 1996 até junho de 1997 — portanto, um ano e meio. Além de Trajano, gostaria de citar Marco Mora, saudoso diretor do Esporte da Globo, Antero Greco, que continua firme e forte na ESPN, e Juca Kfouri como outros mestres que tive no jornalismo esportivo.
Comecei pelo melhor lugar possível porque trabalhei com pessoas experientes e também com quem cresceu profissionalmente comigo. Lá comentei jogos com narração do Milton Leite (um dos melhores que já vi), Luís Roberto de Múcio, Paulo Soares e Nivaldo Prieto. Na reportagem, havia na época Pedro Bassan, Gilvan Ribeiro, André Kfouri e Paulo Calçade, que hoje é um dos comentaristas que tem as opiniões de que mais gosto.
A última partida que comentei na ESPN foi em 5 de junho de 1997, a final do Campeonato Paulista que terminou com Corinthians 1 x 1 São Paulo. O resultado deu ao Corinthians o 22º título paulista. Depois disso, fui para a Globo, mas isso é uma outra história. Mas, depois de 25 anos, voltarei ao estúdio que considero "a minha casa", porque lá me sinto assim. Tenho muito carinho, gratidão e respeito pela ESPN.
Torino x Juventus é um dos clássicos mais emblemáticos do futebol, porque não se trata só de bola rolando. Os donos da Juventus são também donos da Fiat e da Ferrari. Portanto, fazem parte da elite torinese. Já os torcedores do Torino são os operários das fábricas de automóveis. A única situação em que eles se sentem pertencentes e com orgulho dentro das fábricas é exatamente quando o Toro vence.
E a história do time e da torcida "granata" é bonita, mas também triste e dramática.
O melhor time do mundo nos anos 1940 era exatamente o Torino, base da seleção italiana que já era bicampeã do mundo, em 1934 e 1938, e iria jogar a Copa do Mundo no Brasil, em 1950.
Em 1949, depois de uma excursão pela América do Sul, passando por Portugal para jogar um amistoso com o Benfica, o avião que levava a delegação do Torino de volta para casa colidiu no Morro de Superga, em Turim. Nenhum dos passageiros e dos tripulantes sobreviveu.
Uma tragédia cuja dor dura até hoje, e durará para sempre.
Em todo dia 4 de maio (a data do acidente), é realizada uma missa na Basílica de Superga, onde estão enterrados os jogadores que perderam a vida no acidente. Participei de três missas, mas na primeira fiquei impactado com o que vi e senti. É uma procissão até o morro com metade da cidade participando. Uma coisa de arrepiar.
O Torino é o time que tive mais identificação, por todo esse ambiente emocional que encontrei. Meu pai, além de corintiano, também era torcedor do Torino. E ele me contou várias vezes a história do acidente quando eu era criança.
Nessa primeira missa que assisti em memória ao acidente, chorei o tempo todo, e voltei para casa muito tocado emocionalmente. E até hoje não consigo descrever precisamente tudo que senti dentro do coração naquele momento.
Contei tudo isso para vocês entendam o que significa ganhar e fazer gols nesse dérbi.
Joguei várias vezes o clássico de Turim, mas três jogos são inesquecíveis.
Em 29 de abril de 1992, em uma tarde de domingo, pouco tempo antes da primeira missa em Superga, vencemos o dérbi por 2 a 0, mas poderíamos ter dado uma goleada histórica. Dominamos o jogo todo e, com duas jogadas espetaculares do meu amigo espanhol Martín Vázquez, fiz os dois gols desse jogo.
Foi a coisa mais incrível que senti e que fizeram para mim. Demorei umas duas horas para sair do estádio. A torcida granata enlouqueceu, teve festa na cidade, e eles fizeram uma gravata com a minha imagem desse jogo.
O nosso time, da temporada 1991/92, é considerado o último grande Torino da história. Tiramos a Juve da disputa do título italiano com o Milan. Fomos o time que decidiu aquele campeonato, porque ganhamos por 2 a 0 no domingo e o Milan ficou precisando de apenas um empate para ficar com o título. No domingo seguinte, o Torino enfrentaria justamente o Milan. E o jogo terminou 2 a 2, com o time de Van Basten, Gullit e Rijkaard sendo campeão.
Mas a torcida estava em êxtase porque havíamos eliminado o Real Madrid na semifinal da extinta Copa da UEFA e fomos para a final do torneio. A decisão seria contra o Ajax. No primeiro jogo, empatamos em casa por 2 a 2. Em Amsterdã, a partida ficou em 0 a 0, e o Ajax foi campeão, por causa dos gols marcados fora de casa. Mas, quando voltamos para casa com o vice-campeonato, havia mais de 10 mil torcedores no aeroporto nos esperando. E eu chorei muito, novamente!
Na temporada seguinte (1992/93), uma das semifinais da Copa Itália foi o dérbi torinese. Os dois times na época jogavam no Estádio Delle Alpi (que foi demolido em 2008). O primeiro jogo foi mando do Torino, e empatamos por 1 a 1. No segundo, mando da Juve: empatamos por 2 a 2 e eliminamos os "ricos". Fomos para a final com a Roma, e fomos campeões!
Nessa história sofrida, o Torino precisou se reerguer, recomeçar do zero depois do acidente, e só voltou a ganhar o "scudetto" na temporada 1975/76, com a dupla Graziani e Pulici, dois dos maiores ídolos da história do Torino. O time teve também uma ótima fase quando o Júnior jogou lá (de 1984 a 1987) e disputou de frente o título com o rival, ficando em segundo lugar. Depois disso o Torino caiu para a Série B, mas voltou no ano seguinte para a Série A, de onde surgiu esse grande time do qual fiz parte.
Temos um grupo de WhatsApp daquele time, que se chama: "Quelli, della finale UEFA" — em português, "aqueles da final UEFA" . Nos falamos todos os dias. Alguns anos atrás, em 2017, a torcida reuniu esse time num teatro para ser homenageado pelos 25 anos da conquista do vice-campeonato. Foi uma das coisas mais lindas e emotivas que já passei. Rever meus companheiros de sucesso foi incrível.
Essa semana dei várias entrevistas para jornais, rádios e TVs de Turim, e relatei o que estou tentando mostrar nesse texto. Eu amo a cidade e sou um torcedor fanático do Torino, porque me identifico com a luta da torcida que representa a classe operária.
Sou corintiano desde pequeno, mas não teria problema em jogar nos rivais — como joguei no São Paulo, em 1984.
Joguei e gosto muito do Flamengo, mas teria jogado tranquilamente nos outros times do Rio, principalmente no Botafogo.
Fui campeão da Champions League pelo Porto em 1987, mas em Lisboa, teria jogado tanto no Benfica como no Sporting.
Mas, na Juventus, eu garanto: jamais jogaria.
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