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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com a morte de Isabel, o Brasil perde uma mulher revolucionária

Casagrande e Isabel, em setembro de 2022 - Arquivo pessoal
Casagrande e Isabel, em setembro de 2022 Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

16/11/2022 12h55

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Como todos sabem, estou com covid, isolado na minha casa e fazendo testes todos os dias, porque a minha viagem para o Qatar seria nesta quarta-feira.

Ontem, dormi com a esperança de que nesta manhã meu exame daria negativo. Mas, quando acordei, fui pego de surpresa, logo de cara, com a notícia tristíssima da morte da minha amiga Isabel.

Baqueei totalmente. Perdi o interesse no meu teste, e a minha cabeça começou a viajar no tempo.

Conheci a Isabel no começo dos anos 1980, já sendo um fã. Porque sempre acompanhei o vôlei e porque eu também jogava vôlei no Corinthians.

A Olimpíada de Moscou, em 1980, talvez seja a minha primeira memória daquele time espetacular das meninas.

Mas o primeiro contato que tive com ela foi no ginásio do Corinthians, quando a seleção feminina treinava no ginásio do Parque São Jorge.

Fiz amizade com o treinador da época, o saudoso Enio Figueiredo. Acabava meu treino, eu ia para o ginásio assistir o treino delas e ficava conversando com ele. Nessa época que eu conheci a Isabel e a maioria das jogadoras.

Isabel e Jaqueline formaram uma dupla formidável e foram referência para a juventude dos anos 1980. Por isso me identifiquei rapidamente com a inquietude delas.

Eu e a Isabel jogamos no mesmo período na Itália e algumas vezes viajamos de volta para as férias no mesmo voo. Com o tempo, fomos nos encontrando e conversando sempre sobre a sociedade brasileira, mas não só. Também conversamos sobre a importância do esporte e, sim, sobre a vida.

O tempo foi passando até chegarmos a esse momento terrível da pandemia da covid-19, em que a sociedade mundial foi mostrando uma face preconceituosa, embora já conhecida, mas com muita agressividade.

A marca dessa violência ficou visível mundialmente com o assassinato, por asfixia, do George Floyd por um policial branco, pouco tempo depois do assassinato do garoto João Pedro, de apenas 14 anos, durante uma operação da Polícia Militar no Rio de Janeiro.

Tudo isso mexeu comigo, principalmente quando comecei a acompanhar todas as manifestações antirracistas que começaram a acontecer pelo mundo.

Fiquei inquieto e resolvi que deveria fazer algo. Mas precisava de mais alguém forte, com opinião e com vontade de tentar mudar algo, para melhorar a sociedade junto comigo.

Na hora, pensei na Isabel.

Mandei uma mensagem para ela falando o que estava acontecendo comigo, e quais eram as minhas intenções. Eu queria criar um movimento antirracista, porque não poderíamos ficar calados com tudo aquilo acontecendo.

Então resolvemos criar um grupo de pessoas guerreiras, com empatia, para mostrarmos publicamente nossa indignação. Foi aí que surgiu o grupo Esporte pela Democracia.

Logo foram se juntando a nós pessoas de várias áreas, não só do esporte. E começamos a trabalhar juntos em várias lutas, e a principal delas estava sendo as causas indígenas.

Participamos de várias reuniões com as lideranças para organizarmos eventos. Queríamos dar visibilidade às causas mais importantes e urgentes dos povos originários.

Eu e Isabel ficamos um tempo sem contato até chegar a última reunião do Lula com o pessoal do esporte, em um hotel de São Paulo. Ficamos o tempo todos juntos, conversando, depois sentamos lado a lado na mesa, com o Lula e os outros representantes.

Ela falou muito bem no seu discurso. No final, foi a minha vez. Quando terminei de falar e me sentei, ela olhou para mim e falou: "Arrasou".

Eu achava a Isabel engraçada, e me divertia conversando com ela. Era direta quando queria passar o seu recado. Uma atleta e uma cidadã de muita personalidade, e revolucionária pelo seu modo de agir e pensar.

Nem sempre estávamos de acordo, mas a nossa visão de sociedade era a mesma.

A Isabel foi uma mulher, atleta, mãe, amiga — não tinha diferença entre elas. Tinha as características de guerreira, de lutar, de bater no peito, e dizer que estava pronta para vencer.

A Isabel fará muita falta ao Brasil, mas principalmente aos seus familiares, a quem ela se dedicou a vida toda. Ela passou ótimos valores e princípios para os seus filhos e filhas.

Jamais te esquecerei, Isabel. Um beijo.