Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Há 40 anos, todos se surpreenderam com um roqueiro no samba
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No final do texto que escrevi sobre duas histórias minhas de Carnaval, falei que iria procurar uma foto para contar o ano que desfilei na Avenida. Sim, Avenida. Porque em 1983, quando desfilei pela escola de samba Nenê da Vila Matilde, lá da minha área, ainda não existia o sambódromo.
O desfile das escolas era na avenida Tiradentes — que tinha um charme incrível. Na época, se perguntava assim: "no Carnaval, você vai para a avenida?".
Bom, vamos para a história. Eu cresci na Penha, bem pertinho da quadra da Nenê, então joguei várias vezes futebol na quadra da escola de sábado à tarde.
Às vezes, antes de ir para os barzinhos hippies que tinha no bairro do Bixiga, ia junto com meus amigos para o ensaio da Nenê. Conhecia todo mundo por lá, principalmente o Sr. Alberto Alves da Silva (Seu Nenê), presidente e fundador da escola.
Ele presidiu a escola por 47 anos até que, em 1996, passou o comando da entidade para o seu filho, Alberto Alves da Silva Filho (Betinho), por motivos de saúde.
Sempre era convidado para desfilar, mas nunca topava: não tinha "barato" por ser do rock e não me via fantasiado e desfilando.
Até que, em 1983, fizemos um grupo bacana e acabei topando. Eu, Ataliba, Nelsinho (Juventus), o saudoso amigo Ivan Terrível (ex-jogador do Corinthians) e meus amigos da Penha.
Magrão, Ocimar, Cancela, João Gordo, Funeral (ex-jogador da Portuguesa), Lorica, Trapa e até o Ney Latorraca saíram com a gente naquele ano na Nenê. Foi uma experiência incrível, a energia que havia na avenida era fortíssima.
Houve muita euforia, empolgação e emoção por estar desfilando pela escola do meu bairro. Para mim, era como vestir a camisa do Corinthians e ir para o jogo.
Só para esclarecer: naquela época, nem a Gaviões da Fiel e nenhuma outra torcida organizada eram escolas de samba, então os jogadores se espalhavam.
Serginho Chulapa, Basílio, Gilberto Sorriso, Cesar e tantos outros saíam na Camisa Verde e Branco, que de uma certa forma representava o Palmeiras. Já a Vai-Vai, por ser preta e branca, representava o Corinthians — vários jogadores do time desfilavam por lá.
Fui convidado várias vezes para sair em outras escolas, mas nunca topei. Sabem o motivo? Porque eu sou Nenê!
O samba-enredo da escola em 1983 era simplesmente maravilhoso, com um refrão muito forte que fez o público se levantar e cantar junto com a gente.
"Gosto é gosto e não se discute". Esse é o título do enredo daquele ano. Não sabia sambar, mas sabia dançar frevo e fui nessa. Transformei os passos do frevo numa sambada que fez muito sucesso.
Todos se surpreenderam porque só me conheciam como roqueiro, um cara da pesada — mas não do samba.
Toda a emoção que sentia nos 90 minutos de um jogo em que entrava no Morumbi lotado para um clássico, senti nos 70 minutos que as escolas tinham para desfilar na época.
Foi muito louca aquela sensação nova que senti há exatamente 40 anos.
É muito louco lembrar dessas histórias e de como foi legal depois de muitos anos.
Lá pelas 6h, fomos para o Clube Esportivo da Penha tomar banho numa bica maravilhosa, onde a água cai como se fosse uma cachoeira gelada que recupera qualquer um.
Naquela época, o desfile das campeãs era na madrugada da Quarta-feira de Cinzas, e nem pensamos duas vezes: saímos novamente.
Mas foi mais pela curtição mesmo, porque a emoção verdadeira foi na madrugada do sábado, que era uma competição.
A minha vida sempre foi intensa, e quem vive dessa maneira tem muitas histórias para contar. Ser intenso não tem nada a ver com drogas, bebidas ou qualquer outra coisa que te estimule.
A intensidade da vida vem do interior da gente, e não de fora. Mas leva um tempo até aprender a controlar essa intensidade e dar a dimensão necessária para curtirmos a vida na boa, como faço hoje.
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