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OPINIÃO

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Torcedor verdadeiro não passa pano, mostra quando o clube está errado

Final do Paulista de 1977 entre Corinthians e Ponte Preta, no Morumbi - Reprodução
Final do Paulista de 1977 entre Corinthians e Ponte Preta, no Morumbi Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/04/2023 14h18Atualizada em 22/04/2023 14h34

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De 1910 para cá, o Sport Club Corinthians Paulista foi criando uma legião de torcedores fiéis, loucos, roxos, sempre aumentando a cada título ou cada derrota porque, para o corintiano do começo século passado em diante, torcedores foram mostrando algo diferente das torcidas dos outros times: a paixão!

Um amor que não diminuía e do qual nem se desistia, mesmo ficando sem ganhar um título por 22 anos —de 1954 a 1977.

Eu nasci em 1963 e peguei a quebra do tabu contra o Santos em 6/3/1968, com gols de Paulo Borges e Flávio. Eu então com 4 anos, mas já vendo de perto vários jogadores do Corinthians porque meu tio (Ney) namorava —depois se casaram—, a Rose (tia), sobrinha do zagueiro histórico do timão Ditão. Inclusive, fui ao casamento do Ditão e estive com vários jogadores daquela época e era incrível.

Passei também pela grande tristeza de 1969 com as mortes do lateral Lidu e do ponta esquerda Eduardo que teve uma influência direta naquele campeonato paulista porque o Corinthians era líder e estava jogando muito.
Passando por essa tragédia, meu pai me levou para assistir a um jogo do nosso Corinthians no estádio pela primeira vez em 27/7/1970 --Corinthians 1 x 1 Ponte Preta no Parque São Jorge gols de Lima (Timão) e Manfrini (Ponte Preta).

Depois chegamos à semifinal do Campeonato Brasileiro de 1972 e jogamos pelo empate no Maracanã contra o forte Botafogo. Perdemos por 2 x 1, mas com um gol de cabeça do zagueiro Baldochi que o árbitro deu mão (roubaram a gente).

Mas, tudo bem, a torcida crescia cada vez mais, e chegou o apelido de "sofredores". A expectativa de um título aumentava porque, além de termos o maior craque da história do clube, Roberto Rivellino, no auge, Vicente Matheus fazia contratações importantes.

No espaço entre 1972 e 1974, chegaram Baldochi, Brito e Roberto Miranda (tricampeões), se juntando ao Ado, Zé Maria e Rivellino, que também eram tricampeões.

Assim, chegamos à tão sonhada final do Campeonato Paulista de 1974 contra o grande rival Palmeiras, que era, simplesmente, a segunda academia e perdemos por 1 x 0, gol do ponta Ronaldo.

Foi um abatimento e uma revolta geral porque confiávamos e desejávamos aquele título de qualquer jeito.

Naquela época, era raro passar jogos ao vivo pela TV. Eu estava com meu pai ouvindo a final no radinho de pilha e na hora do gol, meu pai jogou o radinho na parede e chorou.

Essa derrota fez o Corinthians cometer uma das grandes injustiças da sua história. Culpar e praticamente expulsar o maior jogador da história corintiana Roberto Rivellino.

Eu tinha 11 anos e foi nesse momento que entendi completamente que "ser corintiano é ir além de ser ou não ser o primeiro" como canta o genial Toquinho.

Caminhando a estrada de torcedor, chegamos pela primeira fez à final do Brasileiro em 1976 com um time bom, mas muito inferior ao Internacional de Rubens Minelli e Falcão. Perdemos, mas não teve influência alguma no nosso entusiasmo, porque a nossa final foi uma semana antes, quando eliminamos a "máquina tricolor" em pleno Maracanã e o nosso troféu foi a invasão tomando metade do estádio, e foi a festa mais incrível que eu vi na entrada do time em campo.

Beleza, sentíamos que algum título estava próximo quando o ano mágico de 1977 chegou.

Fui a vários clássicos no Morumbi e estava no recorde de público do Cícero Pompeu de Toledo, num domingo ensolarado, na derrota por 2 x 1 no dia que, talvez, a torcida corintiana tinha mais certeza que seríamos campeão paulista.

Mas não passou da quarta-feira e veio, finalmente, aquela sensação que só os mais velhos, como meu pai, já tinham sentido, aquele calor interno, batimento cardíaco alto, sudorese, e o nosso grito mais esperado saiu
"CORÍNTIA, CORÍNTIA ".

Depois, repetimos a dose em 1979 e voltamos a ser um time competitivo e um dos favoritos a títulos.

Durante esse tempo todo, assisti a vários jogos porque jogava na preliminar e ficava para assistir os jogos. Em 1982, passei da arquibancada para o campo quando surgiu o momento mais importante da história do futebol mundial: a democracia corinthiana.

Fomos bicampeões paulista (1982/1983) jogando um futebol espetacular e reconhecido mundialmente, assim como o nosso movimento. Um grupo onde todos tinham a mesma importância e que encantou a todos.

Em 1982 tivemos a melhor defesa, melhor ataque, os dois principais artilheiros do campeonato. Eu fiz 28 gols e o Magrão, 21, em dois fizemos 49 gols no mesmo campeonato, e viramos Sócrates e Casagrande, o mais alto nível de uma dupla de área.

No ano seguinte, foi tão tranquilo assim, mas o Magrão demonstrou, nas finais daquele campeonato, toda a sua genialidade e classe, e ganhamos o título de 1983.

O primeiro semestre de 1984 foi o último momento do time inicial da democracia corinthiana. Magrão foi para a Fiorentina e eu, para o São Paulo, mas depois da nossa participação incrível no movimento das Diretas Já. Ainda joguei em 1985 e 1986, mas pouco porque fiquei mais na seleção do que no Corinthians e fui para a Europa.

Voltei em 1993 para jogar no Flamengo e quando vim jogar no Pacaembu contra o Corinthians foi aquela surpresa que ficou para a história com a torcida corintiana cantando: "VOLTA CASÃO, SEU LUGAR É NO TIMÃO". "DOUTOR, EU NÃO ME ENGANO, CASAGRANDE É CORINTIANO".

Foi a maior demonstração de carinho e amor que a torcida corintiana tinha feito por um jogador que estava com a camisa do adversário.

Aquela torcida reconhecia em mim um jogador/torcedor porque muitos me viram jogar na base e me viam nas arquibancadas torcendo pelo nosso time.

Para quem não sabe, eu sou o último jogador criado no Terrão que jogou todas as categorias do Corinthians.
Em 1976 e 1977 joguei os últimos dois campeonatos da categoria dente de leite oficial pela Federação, que passava ao vivo peta extinta TV Tupi, e depois, apesar ter sido muito precoce, joguei todas as categorias até chegar ao profissional. Quando fui campeão e artilheiro em 1982, eu poderia jogar mais três Copas São Paulo.

Por que escrevi tudo isso?

Porque foi por esse Corinthians que me apaixonei aos 4 anos de idade e também por esse Corinthians que eu me entreguei em todos os jogos que entrei com a camisa do nosso time desde dos 10 anos de idade.

E jamais pensei que o Sport Corinthians Paulista, que sempre esteve do lado certo da história, time do povo, das minorias, que sempre lutou pela democracia fosse contratar um treinador com envolvimento num estupro. Pouco importa que anos foi, e que o nega mesmo com uma condenação, mesmo com matéria em jornal suíço citando que encontraram vestígios do seu sêmen no corpo de uma garota de 13 anos —como informa texto de hoje da coluna de Juca Kfouri.

Esse crime é de estupro, o Sr. Cuca interpreta um personagem com voz mansa, preocupado com a família, íntegro, mas em nenhum momento, se preocupou como está a garota e ainda afirma que não precisa se desculpar com a sociedade.

Esse é o novo Sport Club Corinthians Paulista, formado também por um grande grupo de novos torcedores que não veem mal algum num cara envolvido num estupro, mentindo na cara de todo mundo, ao vivo, e que atacam as pessoas que pedem a verdade.

A essência do espírito corintiano está se perdendo, os ideais de um clube do povo estão se dissolvendo.

Junto com sites de falsos corintianos, vejo o Duílio Monteiro Alves como o grande responsável por manchar a história do Sport Club Corinthians Paulista.

Uma torcida que estendeu uma faixa pela anistia aos presos e exilados políticos, que torceu e vibrou com os títulos e com o futebol encantador da democracia corinthiana, mas não foi firme como já havia sido em grandes momentos da sua história.

Tudo passa na vida da gente e, às vezes, o amor termina, o namoro acaba, um casamento chega ao fim e só restam a saudade das coisas lindas que viveram juntos, mas a decepção leva ao fim do sentimento maravilhoso e longo.

Aí, o refrão de uma música do também genial Paulinho da Viola faz totalmente sentido: "FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA E MEU CORAÇÃO SE DEIXOU LEVAR".