Futebol pelo mundo

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De almoço com Felipão ao estrelato: como Xabi Alonso conquistou a Europa

Abril de 2018, Bilbao, Espanha. Em um almoço, após um evento de debates sobre futebol, Xabi Alonso falava pouco e ouvia muito. Na mesma mesa, no último andar do prédio mais alto da cidade, estavam Julen Lopetegui -- então treinador da seleção espanhola --, e Luiz Felipe Scolari, que havia participado de um painel sobre a seleção brasileira campeã mundial em 2002.

Aposentado um ano antes, o ex-volante do Real Madrid, do Liverpool e do Bayern de Munique prestava atenção em cada palavra que os dois treinadores mais experientes diziam. As histórias de Scolari sobre o futebol da China, do Japão ou do Brasil despertavam uma curiosidade especial.

Na época, Xabi Alonso não vivia seu melhor momento. Em meio a acusações de sonegação fiscal pela Receita Federal da Espanha, ele encontrava no curso de treinador da Uefa uma forma de esquecer da batalha judicial que teria pela frente (foi absolvido em outubro de 2023, após mais de cinco anos de processo).

Os dois jornalistas que estavam naquela mesa (um deles era este colunista) foram educadamente orientados a não fazer perguntas sobre o assunto. A condição para sentar naquela mesa era não transformar o almoço em uma entrevista.

Mas o almoço acabou se transformando em entrevista, sim, e por culpa de Xabi Alonso. Ele estava intrigado para saber mais sobre a função de treinador e via em Scolari, um campeão mundial, uma fonte de conhecimento.

Cinco anos e meio depois, como previsto, os dois treinadores daquela mesa viraram três: Scolari saiu da aposentadoria para levar o Atlético-MG a uma vaga na Libertadores; Lopetegui procura um novo clube após ser demitido pelo Wolverhampton, e Xabi Alonso é o comandante do Bayer Leverkusen -- e um dos técnicos mais elogiados e cobiçados do futebol europeu.

O Bayer de Xabi Alonso

Para entender o tamanho do fenômeno em que o treinador espanhol se transformou, o primeiro caminho é olhar os números do Bayer Leverkusen na temporada.

São 21 partidas oficiais, com 19 vitórias e dois empates. O time lidera a Bundesliga, com três pontos à frente (e um jogo a mais) que o Bayern de Munique, campeão nas últimas 11 temporadas. O Leverkusen tem 11 vitórias e dois empates, contra o próprio Bayern e o Borussia Dortmund.

Na Copa da Alemanha, a equipe de Xabi Alonso já está nas quartas de final, com três vitórias em três jogos; na Europa League, são 15 pontos ganhos em cinco partidas, e uma vaga garantida na fase de mata-mata.

Mas os números mostram apenas uma parte das façanhas do time. A avaliação interna do clube é que o treinador espanhol conseguiu mudar a mentalidade e a maneira de jogar. Internamente, a mudança desde a chegada de Alonso em outubro de 2022 é comparada à que Guardiola causou no Bayern de Munique.

Em seu primeiro jogo, uma vitória por 4 a 0 sobre o Schalke, Xabi Alonso já disse a que veio: mudou o esquema tático para usar um sistema 3-4-3. Nesta temporada, ele tem atuado com uma variação do esquema de três zagueiros, trocando os pontas por laterais que avançam muito, povoando o meio-campo e com um atacante mais fixo.

O resultado é visível: os dois laterais titulares vivem os melhores momentos da carreira. Pela direita, o holandês Jeremy Frimpong soma 6 gols e 8 assistências na temporada, com as médias mais altas como profissional; na esquerda, Alejandro Grimaldo tem 9 gols e 5 assistências e já bateu seu próprio recorde de artilharia, com apenas 20 jogos disputados.

Xabi Alonso, na época em que treinava a Real Sociedad B
Xabi Alonso, na época em que treinava a Real Sociedad B Imagem: Ion Alcoba/Quality Sport Images/Getty Images

Um caminho natural

A conversão de Xabi Alonso em um treinador de alto nível não surpreende quem conviveu com ele durante a carreira. O espanhol sempre foi considerado por seus pares uma espécie de técnico dentro do campo. No Liverpool, no Real Madrid e no Bayern, ele já "cantava" o jogo para os colegas e se interessava pelo assunto.

Menos de um ano após a aposentadoria, o basco começou a preparar-se para a nova carreira. Ele recebeu o diploma da Uefa em uma turma repleta de ex-colegas de seleção, como Raúl, Xavi, Victor Valdés, além dos brasileiros Marcos Senna e Júlio Baptista. Em agosto de 2018, meses depois daquele almoço com Felipão em Bilbao, Xabi conseguiu seu primeiro trabalho: técnico do time infantil do Real Madrid.

No ano seguinte, veio a chance de voltar para onde tudo começou: um convite para ser treinador do time B da Real Sociedad, seu primeiro clube como profissional. No clube basco, ele conseguiu o acesso para a Segunda Divisão espanhola e revelou jogadores como Martín Zubimendi, hoje destaque do time principal e jogador da seleção espanhola.

O bom desempenho no clube de Donostia foi o primeiro alerta para o futebol europeu. Foi da Alemanha, onde Xabi Alonso havia jogado na fase final da carreira, que chegaram as primeiras propostas: do Borussia Monchengladbch e do Bayer Leverkusen. Ele aceitou a segunda, convencido pelo projeto do clube, que incluía a presença do diretor-geral Fernando Carro, também espanhol.

"Por que Xabi Alonso? Porque gostamos de arriscar", disse o dirigente, ao ser questionado sobre a contratação de um treinador cuja única experiência profissional no cargo era nas divisões inferiores da Espanha. Na época, o Leverkusen brigava contra o rebaixamento.

Quatorze meses depois, o desafio de Carro é responder a outra pergunta: Xabi Alonso vai ficar no clube? O espanhol está no radar de pelo menos dois gigantes europeus em que passou como jogador -- Real Madrid e Bayern de Munique.

Mourinho e Guardiola são inspirações de Xabi Alonso como treinador
Mourinho e Guardiola são inspirações de Xabi Alonso como treinador Imagem: Reuters / Darren Staples

Os melhores professores

Um fruto não costuma cair longe da árvore e, no futebol, a influência de treinadores em atletas costuma moldar padrões de trabalho dentro e fora de campo. Neste sentido, Xabi Alonso foi um privilegiado: trabalhou com Pep Guardiola, José Mourinho e Carlo Ancelotti.

Quem acompanha o dia-a-dia do Bayer Leverkusen não tem dúvidas da influência dos mestres no trabalho do aluno.

A ideia de ter a bola é um pilar do jogo de Pep Guardiola, mas não a única. Os laterais que avançam e se incorporam aos meio-campistas são outra. Fora de campo, a atenção a detalhes como o idioma também são heranças do comandante catalão: "o fato de Xabi se comunicar em alemão faz ele ganhar muitos pontos no clube", afirma um funcionário do Leverkusen.

De José Mourinho vem a forma de analisar os rivais e de adaptar-se aos adversários a cada jogo, mudando a escalação e a forma de jogar, caso seja necessário. De Ancelotti, a receita para gerenciar bem o grupo e criar um ambiente em que os jogadores possam estar em seu melhor nível.

É com essa vontade de aprender de cada treinador que Xabi Alonso foi construindo um estilo próprio e cada vez mais reconhecível. E desenhando um caminho que teve um de seus primeiros passos num almoço em Bilbao, em 2018, ouvindo as histórias de um técnico campeão do mundo.

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