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Os segredos de Sylvinho: como brasileiro levou a Albânia para a Eurocopa

No início de 2023, Sylvinho era um treinador à procura de um desafio. Após uma passagem como auxiliar técnico da seleção brasileira e dois trabalhos no Lyon e no Corinthians, o ex-lateral esquerdo estava em Portugal quando o telefone tocou: era uma proposta para ir até Milão, na Itália, conhecer o presidente da Associação de Futebol da Albânia.

Doze meses depois, ele pode brindar à chegada de 2024 com uma taça de champanhe na mão e um objetivo na cabeça: em um ano e oito jogos, ele classificou a Albânia para a Eurocopa, que será disputada na Alemanha. A campanha foi histórica, com o primeiro lugar no grupo, incluindo vitórias contra Polônia e República Checa -- consideradas favoritas.

Por trás do sucesso está uma série de atitudes e procedimentos do treinador brasileiro. O UOL Esporte conversou com Sylvinho para responder à pergunta: como um treinador praticamente novato conseguiu levar uma seleção pouco conhecida para a Eurocopa?

Em 45 minutos de conversa, percebe-se que há mais de uma resposta, e a receita inclui muitas horas de trabalho, uma comissão técnica internacional, monitoramento de dezenas de atletas, inspiração de treinadores de ponta, domínio de idiomas e a decisão de ir viver no país.

Sylvinho criou rotina de clube no comando da Albânia
Sylvinho criou rotina de clube no comando da Albânia Imagem: Divulgação

Rotina de clube na seleção

Para entender o sucesso de Sylvinho, o primeiro passo é derrubar uma opinião comum no futebol: a de que o técnico de seleção trabalha menos que o de clube. Desde que chegou à Albânia, o brasileiro mudou a rotina da federação: ele e o restante da comissão técnica dão expediente de segunda a sexta, de 9h às 17h, além dos sábados, com um horário reduzido.

"No começo, o pessoal se assustou", conta Sylvinho. Com o tempo, a dinâmica foi sendo assimilada. Além de Sylvinho, integram a comissão técnica o argentino Pablo Zabaleta e o ex-volante brasileiro Doriva; o trio tem a companhia de profissionais albaneses e italianos.

"Dizem que o treinador da seleção trabalha pouco, mas isso ficou no passado, até porque já mudou o perfil. O Luis Enrique pegou a Espanha, o Mancini e o Conte trabalharam na Itália, o Roberto Martínez pegou a Bélgica e agora Portugal. Quando você fala do trabalho de campo e de jogo, sim, são menos jogos. Mas tem muito trabalho fora. Eu já não monitoro e treino 23 atletas, mas eu tenho que monitorar 60 a cada fim de semana, e depois tem todo o trabalho de logística que as competições pedem", afirma.

"Eu não me dou o direito de, por estar em uma seleção, não vir trabalhar numa segunda-feira. Eu quero vir na segunda, na terça, na quarta eu viajo, na quinta eu volto, depois venho trabalhar na sexta, e até no sábado. Eu não me permito não fazer o trabalho completo", acrescenta.

Sylvinho fez força-tarefa para conhecer jogadores antes de montar a seleção
Sylvinho fez força-tarefa para conhecer jogadores antes de montar a seleção Imagem: Andrzej Lange/Efe

A montagem do time

Convocar uma seleção é tarefa complicada para qualquer treinador. Quando a seleção não tem tantos jogadores conhecidos e o treinador acaba de chegar ao país, o desafio é ainda maior. Entre o primeiro dia de trabalho e a primeira lista de convocados de Sylvinho, foram cerca de 70 dias. Um período crucial para o sucesso da Albânia no caminho rumo à Eurocopa.

"É difícil demais, cara. Primeiro você tem 10 ou 12 atletas conhecidos, e depois você faz uma lista de espera de 50 atletas. Não dava para perder tempo: tínhamos que ver todos os jogos dos atletas que não conhecíamos. Os que não dava a gente reduzia, pedia filtros de alguns lances específicos, e íamos colocando tudo numa lousa", relembra.

As viagens para ver, conhecer e conversar com atletas também faziam parte da rotina. "Foi aí que a coisa começou a clarear para nós. Saber em que posição tá faltando jogador, em qual o setor onde precisamos improvisar, quais peças novas colocarmos no time com a mudança do 3-5-2 para um 4-3-3, foi um processo interessantíssimo", afirma Sylvinho.

Foi nessas análises e viagem que o treinador brasileiro e a comissão técnica foram, aos poucos, mudando a cara da seleção. Dois exemplos: o zagueiro Berat Djimsiti, da Atalanta, passou a ser o capitão, por "ter um perfil mais tranquilo, não perder a cabeça fácil"; e o ponta Jasir Asani, filho de albaneses nascido na Macedônia do Norte, entrou no radar e foi convocado pela primeira vez.

Sylvinho não se arrisca a dizer quantas partidas a comissão técnica acompanhou desde janeiro, mas afirma que as 8 horas diárias de trabalho foram aproveitadas ao máximo. "Se a gente não saísse daqui às 17h, teria trabalho para ficar até meia-noite todos os dias."

Sylvinho mudou-se para a Albânia e ganhou popularidade no país com resultados da seleção
Sylvinho mudou-se para a Albânia e ganhou popularidade no país com resultados da seleção Imagem: Mateusz Slodkowski/DeFodi Images via Getty Images

Fotos, café e popularidade

Descobrir o principal jogador ofensivo da seleção, Asani, escondido na liga da Coreia do Sul, foi um dos "gols" de Sylvinho e sua comissão técnica no caminho rumo à Eurocopa. Adaptar o time a um novo sistema tático é outra conquista lembrada por ele. Mas a decisão que mudou o rumo das coisas, segundo o treinador, aconteceu logo no início, quando ele decidiu ir viver em Tirana, capital albanesa.

"Essa decisão que eu e o Doriva tomamos de vir morar aqui foi algo que alegrou demais a federação e o país, causou uma mobilização extraordinária ao nosso favor, foi um belo gol que nós fizemos. E eles entenderam que não era jogo de cena: nós temos que trabalhar aqui", explica Sylvinho.

O presidente da Associação de futebol da Albânia, Armand Duka, costuma dizer em entrevistas que "se quiser achar o mister, é só procurar no prédio da federação". O edifício novo, de quatro andares, virou a casa de Sylvinho. O trajeto de lá até o hotel onde ele, Doriva e Zabaleta moram é de pouco mais de 2km, e muitas vezes é feito a pé.

"Quando a temperatura está boa, a gente vai andando. Tem um parque lindo no centro da cidade, e encontramos muita gente. O pessoal é fanático por futebol, mas muito respeitoso. Eles cumprimentam, pedem fotos", afirma o treinador, que viu o número de pedidos aumentar ao longo da campanha, mas não se incomoda.

"O pessoal vem tirar foto, abraça, e a gente gosta. Na federação eu também tenho um contato muito próximo das pessoas. Eu tomo um café com o secretário, com o motorista. Eu tenho essa característica de me comunicar, de me jogar, e sinto um ambiente muito favorável para nós aqui", avalia.

Torre de Babel

Comunicar sempre foi importante para Sylvinho, desde os tempos de jogador. Nos tempos de Arsenal, ele aprendeu inglês; no Celta, passou a ser fluente em espanhol; no Barcelona, fez aulas de catalão, mas admite que o idioma "foi embora" quando morou na Itália, onde trabalhou com Roberto Mancini na Internazionale, fez o curso de treinador em Coverciano e, claro, aprendeu mais um idioma.

É em italiano que Sylvinho comanda grande parte dos treinos e atividades na seleção albanesa. "Eu não imaginava a fluência deles no italiano", admite o brasileiro, que desde o início conversou com dirigentes e acertou o contrato no idioma. Com os jogadores, ele também se comunica em inglês. Nas conversas com Doriva, claro, o idioma é o português; e com Zabaleta, o espanhol.

"Em nenhum momento eu precisei de um tradutor para falar com atleta em algum clube, ou aqui mesmo quando estamos reunidos 23 ou 24 atletas. Todos eles falam dois ou três idiomas, é bem comum esses atletas falarem dois ou três idiomas. O Djimisti (zagueiro e capitão da seleção) deve falar uns cinco", afirma Sylvinho.

"Eu gosto de falar olhando no olho deles. Eles têm que me ouvir falar, e eu tenho que ouvi-los também. E essa comunicação adianta muito um processo", acrescenta o treinador, que só abre uma exceção: a preleção antes dos jogos. "Aí eu falo em italiano e dois auxiliares albaneses traduzem para o albanês: a gente não abre mão, é a seleção do país e ali tem que ser falado o idioma do país".

Múltiplas influências

Sylvinho nasceu em São Paulo há 49 anos e jogou até os 25 anos no Brasil. Desde então, passou grande parte da vida no exterior: Inglaterra e Espanha como atleta; Itália e França como técnico e auxiliar. Além dos idiomas e de uma visão mais globalizada do futebol, ele teve contato com alguns dos mais influentes treinadores das últimas décadas.

A lista de professores tem nomes como Arsène Wenger, Pep Guardiola, Roberto Mancini e Tite, com quem o atual técnico da Albânia trabalhou na seleção brasileira durante três anos, incluindo a Copa do Mundo de 2018.

"Eu sempre digo que não posso perder a minha autenticidade. Por mais que eu admire o Mourinho ou o Guardiola, o Klopp, o Simeone, o Mancini, o Wenger, o Tite, mas eu não vou ser esses caras. Mas dá pra absorver muito deles", destaca Sylvinho, antes de listar os principais pontos dos mestres com quem teve contato.

"O Wenger é o construtor, o que ele fez no Arsenal é extraordinário. Ele é um visionário, entende muito, sabe encontrar jogadores. E tem um alto nível intelectual, de educação, de gestão. O Guardiola é quem tem mais campo. Ele vê demais. O Guardiola assiste muito futebol, e não apenas a parte ofensiva. Ele tem uma forma de defender extraordinária, e eu peguei muita coisa dele", cita.

"O Tite é um cara trabalhador, extraordinário, talentoso, minucioso, detalhista, que não deixa escapar absolutamente nada. E o Roberto Mancini é um cara centralizador, com uma empatia extraordinária com o atleta. Se tiver que brigar junto ele briga, se precisar entrar em campo e jogar junto, ele joga", afirma Sylvinho.

A Albânia está na Euro; e agora?

Se 2023 foi o ano em que Sylvinho fez história à frente da Albânia, 2024 apresenta um desafio ainda maior: surpreender na Eurocopa, a segunda que a seleção do país disputará. O sorteio não ajudou: os albaneses estão no Grupo B, com Espanha, Itália e Croácia.

"É correto dizer que é o grupo mais difícil. Todas teoricamente são mais fortes que nós. Nós vamos testar as nossas forças. São três seleções que podemos falar tranquilamente que lutam para ir o mais longe possível e ganhar o campeonato. Para nós é um orgulho quando falam "tem uma Albânia chata aí". A gente se classificou em primeiro, e eles vão começar a olhar pra gente agora", afirma Sylvinho, que tem como maior objetivo acostumar seus jogadores aos torneios de alto nível.

"O que a gente tenta passar pra eles é: vamos jogar uma Eurocopa e temos que tentar jogar com mais frequência. Depois, quem sabe no futuro chegar a uma Copa do Mundo. Isso vai dar possibilidades de ir jogando com mais frequência, de estar mais confortável nesses campeonatos importantes", acrescenta o treinador, que já teve a experiência de disputar uma Copa do Mundo como auxiliar de Tite na seleção brasileira.

"Cada um tem o seu peso. O Brasil na Copa a gente tem que se preparar para superar a primeira fase, ganhar as oitavas, as quartas, a semi, chegar numa final. Com a Albânia, o que nós queremos? Passar da primeira fase? Sim. Vamos conseguir? Não sei. A preparação é pra ir o mais longe possível".

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