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Como a Copa Africana desmonta fake news de que França 'rouba' jogadores

A Copa Africana de Nações (CAN) é o mais equilibrado campeonato de seleções do mundo — foram sete vencedores diferentes nas sete últimas edições. Nos últimos anos, o campeonato é, também, terreno fértil para uma das "fake news" mais famosas no mundo do futebol: a de que a França "rouba" jogadores africanos para se reforçar.

A teoria não resiste a uma checagem simples: o que acontece atualmente é um movimento inverso. A França tornou-se uma grande fornecedora de jogadores para as seleções africanas, fruto de filhos de imigrantes que escolhem defender o país de seus antepassados.

Há dois motivos principais: um é a identificação com o país de origem da família; outro, a concorrência menor por uma vaga na seleção. Seja por um ou outro motivo, a Copa Africana de Nações deste ano reúne dezenas de casos.

Regragui, nascido na França, abraça Amrabat, que nasceu na Holanda: Marrocos soube unir jogadores da diáspora
Regragui, nascido na França, abraça Amrabat, que nasceu na Holanda: Marrocos soube unir jogadores da diáspora Imagem: Odd Andersen/AFP

A seleção de Marrocos, uma das favoritas ao título da CAN e quarta colocada na Copa do Mundo de 2022, estreou com vitória por 3 a 0 sobre a Tanzânia. Dos jogadores relacionados, havia seis nascidos na França, contra cinco que nasceram em Marrocos; outros quatro nasceram na Espanha e mais quatro na Holanda.

O treinador Walid Regragui, que fez história na Copa do Qatar e segue no comando da seleção, nasceu em Corbeil-Essonnes, norte da França. "Antes da Copa do Mundo, nós tínhamos uma rivalidade entre os garotos nascidos na Europa e os nascidos em Marrocos. Hoje mostramos que todos os marroquinos são iguais", afirmou, após a vitória sobre a Espanha, nas oitavas de final.

Atual campeã africana, a seleção de Senegal tem ainda mais jogadores nascidos em território francês: eram oito dos relacionados contra Gâmbia, incluindo o goleiro Édouard Mendy, ex-Chelsea, e o zagueiro Kalidou Koulibaly, que chegou a jogar na seleção francesa sub-20. Hoje no Al-Hilal, o defensor optou pelo país de seus familiares, apesar de ter chances de jogar pela equipe principal dos Bleus. "Não me arrependo, porque quero escrever a história do futebol de Senegal", disse na época.

Outro jogador de primeiro nível que poderia ter escolhido a França mas optou por seguir as raízes familiares foi
Riyad Mahrez, campeão do triplete com o Manchester City na temporada passada e principal estrela da Argélia. O ponta nasceu em Sarcelles, no norte da França, e fez toda a sua formação em categorias de base no país.

Zinedine Zidane foi alvo de extremista Jean-Marie Le Pen e respondeu com o título de 1998
Zinedine Zidane foi alvo de extremista Jean-Marie Le Pen e respondeu com o título de 1998 Imagem: Gabriel Bouys/AFP

Discurso de extremista motivou fake news

É incorreto dizer que Senegal, Marrocos, Argélia ou outros países africanos "roubaram" jogadores da França - afinal, há uma conexão familiar dos jogadores com os países que eles defendem. Também incorreto é afirmar que a seleção francesa tira jogadores das equipes africanas.

É difícil saber com precisão quando a "fake news" teve início, mas é possível determinar quando ela ganhou proporções mundiais: em 1998, quando a França conquistou seu primeiro título mundial, o político de extrema-direita Jean-Marie Le Pen afirmou que o time era "artificial" porque tinha "muitos jogadores de cor". Em 2006, durante a Copa do Mundo da Alemanha, Le Pen repetiu o discurso, acrescentando que "muita gente na França não se identifica com essa seleção".

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As ideias de Jean-Marie Le Pen nunca o levaram à presidência da França, em cinco tentativas, mas alguns conceitos ficaram marcados. Entre eles, o de que jogadores filhos de imigrantes ou naturalizados eram "menos franceses".

A seleção francesa de 1998 tinha como destaques Marcel Desailly (nascido em Gana), Lilian Thuram (natural de Guadalupe) e Thierry Henry (filho de imigrantes de Guadalupe e Martinica) e Zinedine Zidane (nascido em Marselha, filho de pais argelinos). Todos eles fizeram as categorias de base no futebol francês.

Tchouaméni e Mbappé: duas estrelas da França nasceram e se formaram no país
Tchouaméni e Mbappé: duas estrelas da França nasceram e se formaram no país Imagem: Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images

Vinte anos depois, em 2018, a França voltou a ser campeã do mundo. Dos 23 jogadores convocados por Didier Deschamps, apenas dois nasceram fora do país: o zagueiro Samuel Umtiti, nascido em Camarões, e o goleiro reserva Steve Mandanda, que nasceu na República Democrática do Congo.

Ambos se mudaram para a França aos 2 anos de idade, obtiveram a nacionalidade francesa na infância e jamais atuaram pelas categorias de base de seus países de nascimento. A seleção francesa não "roubou" nenhum deles de outro país.

Os outros 21 campeões do mundo nasceram em território francês. Alguns, como Kylian Mbappé, Paul Pogba ou Raphael Varane, são filhos de imigrantes africanos, mas têm a nacionalidade francesa, com os mesmos direitos de quem tem séculos de família europeia, como Olivier Giroud ou Hugo Lloris.

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A mesma pesquisa na Copa de 2022 mostra uma porcentagem ainda menor: dos 26 convocados (a Fifa aumentou a lista), apenas dois não nasceram na França — novamente Mandanda, e Eduardo Camavinga, filho de congoleses, que nasceu num campo de refugiados em Angola, e foi para França com a família aos dois anos. Assim como o colega goleiro, ele jamais defendeu as seleções de base de Angola ou do Congo; desde o sub-17, sempre atuou pela França.

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