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Brasileiro, goleiro do Paraguai ganhou vestiário falando idioma indígena

Quando a imprensa paraguaia noticiou que o goleiro Carlos Coronel poderia ser convocado para a seleção, a reação entre os jogadores foi de desconfiança. Afinal, o arqueiro do New York Red Bulls nunca havia jogado no futebol paraguaio, era um desconhecido dos torcedores e dos próprios dos atletas e, acima de tudo, tinha nascido no Brasil.

Mas em agosto de 2023, quando Coronel foi convocado e se encontrou pela primeira vez com os novos colegas, a história mudou.

O goleiro, de 27 anos, já entrou no vestiário falando guarani — idioma de origem indígena que é a língua oficial do país, ao lado do espanhol. "As pessoas pensam em mim como um brasileiro que se naturalizou paraguaio, mas eu sempre fui paraguaio também. Eu sempre falei guarani em casa", explicou Coronel em conversa com o UOL.

A explicação é geográfica e familiar: o goleiro nasceu em Porto Murtinho, no sudoeste do Mato Grosso do Sul, filho de mãe paraguaia e pai brasileiro. A cidade, conhecida como "a última guardiã" do Rio Paraguai, está na fronteira entre os dois países.

"Quando cheguei na seleção falando guarani, os outros jogadores me olharam diferente, porque é uma língua difícil de aprender e que só se utiliza no Paraguai. Eles pensaram "pô, o cara é paraguaio, mesmo", e é verdade. Sempre me identifiquei com o país, tenho familiares e amigos no Paraguai, pra mim é uma honra defender o país", afirma.

Carlos Coronel, brasileiro do NY Red Bulls, enfrentará o país defendendo o Paraguai
Carlos Coronel, brasileiro do NY Red Bulls, enfrentará o país defendendo o Paraguai Imagem: MLS/Divulgação

Para além de mostrar respeito à tradição do país, falar guarani também ajuda do ponto de vista esportivo: o idioma é usado na comunicação dos jogadores em campo, entre outras coisas, para que os adversários não entendam o que os paraguaios estão falando.

A dificuldade do idioma guarani é notória, mas também há casos que mostram uma simplicidade singela na formação de palavras. A bola, por exemplo, é chamada de "vakapipopo" — junção das palavras "vaka" (vaca), "pi" (pele) e "popo" (que salta). Em resumo, uma pele de vaca que salta.

Seleção sub-17 e Europa

Dez anos antes de entrar no vestiário da seleção paraguaia falando guarani e ganhando os colegas, Coronel viveu um momento que poderia ter mudado tudo. Em 2013, ele foi convocado para o Sul-americano sub-17, quando atuava pelo Red Bull Brasil.

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A seleção brasileira terminou a competição invicta, mas ficou em terceiro lugar pelo saldo de gols: a Argentina foi campeão, e a Venezuela, vice. Coronel ficou na reserva e não jogou um único minuto — o titular era Marcos Felipe, hoje no Bahia.

Depois daquele torneio, a carreira do goleiro deu uma guinada: ele foi negociado com o Liefering, da segunda divisão austríaca, onde passou três temporadas até chegar ao RB Salzburg. No clube, onde jogou com um então adolescente Erling Haaland, foram quatro anos, com um empréstimo de uma temporada para o Philadelphia Union, da MLS.

Em 2021, já conhecendo a liga norte-americana, Coronel foi para o New York Red Bulls, onde a carreira mudou de patamar: ele passou a ser titular absoluto e ganhou destaque como um dos melhores da posição na liga.

Enfim, paraguaio

Apesar da carreira consolidada em um dos principais times da MLS, a seleção brasileira já era um sonho distante. Foi então que o goleiro passou a olhar com carinho para a ideia de jogar no país de nascimento da mãe. Em poucos meses, a ideia foi colocada em prática, e cada passo era notícia — uma foto na fila do Departamento de Identificação paraguaio ganhou destaque na imprensa do país.

A primeira convocação foi para a rodada dupla de abertura das Eliminatórias, e com direito a estreia no time titular, no empate por 0 a 0 contra o Peru. Coronel também foi o dono da posição nas outras cinco partidas da fase classificatória para a Copa do Mundo de 2026.

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A titularidade continuou nos três amistosos de 2024, mas na estreia pela Copa América (derrota por 2 a 1 para a Colômbia) o técnico argentino Daniel Garnero optou por Rodrigo Morínigo, do Libertad.

Seja no banco de reservas ou em campo, Coronel prevê uma noite de emoções nesta sexta-feira, quando enfrentar a seleção do país onde nasceu. "Será uma coisa muito especial para mim e acho que para minha família, também. Eu cresci no Brasil, pra mim é a maior seleção do mundo. A seleção brasileira tem uma grandeza, é a mais vencedora do futebol".

Quando a "pele de vaca que salta" rolar no Allegiant Stadium, em Las Vegas, diante do maior adversário de sua carreira, Coronel promete deixar a emoção de lado e focar no principal objetivo de longo prazo. "É uma honra poder defender o Paraguai. Busco sempre estar em alto nível para poder ajudar o Paraguai, principalmente a voltar a jogar uma Copa do Mundo".

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