Maromba, concentração e cafeína: como técnico alemão mudou o Barcelona
Durante décadas, a torcida, os dirigentes e a imprensa em Barcelona repetiram uma frase como mantra: "para ser treinador do Barça, é preciso conhecer o clube".
Por "conhecer" entende-se compactuar com o estilo de jogo que fez o clube catalão famoso mundialmente. Mas não é só isso. "Tem que saber até o nome do porteiro", brincam alguns jornalistas.
Hansi Flick, 59 anos, treinador do clube desde o fim de julho, desafia essa lógica.
O alemão aterrissou na Catalunha depois da saída de Xavi e, sem falar catalão ou castelhano e sem ter qualquer relação prévia com o clube, levou o time à liderança do Campeonato Espanhol, com 15 pontos em cinco jogos.
Classificação e jogos
Com apenas uma contratação, o meia Dani Olmo, e perdendo jogadores que foram titulares na temporada passada — como Ilkay Gundogan e João Cancelo —, o novo treinador apostou em jovens, transformou Raphinha em jogador-chave e tem aproveitado como ninguém o talento de Lamine Yamal.
Tudo isso sem saber o nome do porteiro.
Agora, prestes a estrear na Champions League — enfrenta o Monaco às 16h desta quinta-feira (19) — Flick já sabe os nomes de funcionários, com os quais é muito simpático. Se a ignorância é uma benção, o alemão aproveitou o pouco conhecimento sobre os processos do clube para trabalhar do seu jeito.
Treinar, treinar e treinar
Quem acompanha de perto os treinos do Barcelona (a imprensa não tem acesso às atividades) afirma de forma categórica: tudo mudou com a chegada de Flick. Com Xavi, treinava-se pouco; com Flick, os jogadores treinam muito mais, principalmente a parte física.
O treinador alemão chegou e, logo de cara, perguntou aos jogadores se queriam treinar em dois períodos. Ninguém queria ficar mal com o chefe novo, e todos toparam. Outra novidade, também aprovada pelos atletas, são os treinos nos dias de jogos. Algo comum na Alemanha, mas raro no futebol espanhol.
Flick ficou conhecido nos tempos de Bayern pela exigência física extrema nos treinos, que acabou transformando a aparência dos jogadores. Os casos mais famosos são o volante Leon Goretzka e o brasileiro Philippe Coutinho, hoje no Vasco, que passou a temporada 2019/2020 no clube alemão.
No Barcelona, esse "efeito Flick" já pode ser observado em jogadores importantes do elenco. Lamine Yamal, prodígio do time aos 17 anos, já ganhou 7 kg de massa muscular desde a chegada do treinador alemão. O jogador espanhol está trabalhando em um plano personalizado de crescimento.
Jogadores "marombeiros" e o clássico estilo de futebol do Barcelona parecem diametralmente opostos, mas há uma explicação para o trabalho físico intenso comandado por Flick e sua comissão técnica. E ele tem tudo a ver com o DNA do clube.
"O jogo do Barcelona é baseado em três Ps: posse de bola, posição e pressão. Nos últimos anos, a pressão tinha sido esquecida. E Flick é um fanático dessa marcação asfixiante sobre o adversário. Para isso, é preciso estar bem fisicamente. É preciso treinar", explica Ramon Besa, jornalista do El País que há mais de 30 anos cobre o Barcelona.
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Quero receberNas cinco primeiras rodadas de La Liga, a estratégia de pressionar o adversário e recuperar a bola no campo de ataque funcionou.
Hotel e cafeína
A rotina de treinos exige uma dose extra de energia, e aí entra uma das outras novidades da gestão Flick: as pastilhas de cafeína. O uso não é obrigatório, mas os jogadores foram apresentados a elas na pré-temporada; a maioria aderiu e toma antes das partidas.
Se as pastilhas de cafeína são opcionais, há outro ponto do método Flick que é obrigatório: o alemão recuperou a concentração, algo que há anos não se via no clube. Antes da partida contra o Girona, os jogadores e a comissão técnica passaram um dia e uma noite em um hotel.
A ideia de Flick é criar um sentimento de equipe. Algo que, na avaliação do treinador, estava difuso porque cada integrante do time principal tocava sua vida, encontrando-se apenas para treinar e jogar.
No elenco, o treinador tem dois grandes aliados para passar esse tipo de ideia: o goleiro Ter Stegen, também alemão, que foi escolhido pelos votos dos colegas o capitão da equipe; e o artilheiro Robert Lewandowski, com quem Flick já trabalhou em Munique.
A tática da velha guarda deu certo: o Barcelona venceu o Girona por 4 a 1 no estádio de Montilivi. Na temporada passada, a equipe azul e grená perdeu os dois confrontos contra os girondinos por 4 a 2.
Chamem os garotos
Quando Flick aceitou o convite do presidente do Barcelona, Joan Laporta, a promessa é que o clube faria pelo menos duas grandes vendas, teria mais de 100 milhões de euros (R$ 650 milhões) em caixa e traria jogadores como Joshua Kimmich ou Nico Williams.
As vendas não aconteceram, o clube só contratou Dani Olmo, e uma série de lesões importantes como as de Frenkie de Jong, Ronald Araujo e Andreas Christensen deixaram o início de temporada ainda mais desafiador.
O alemão fez, então, algo que o Barcelona já fez com sucesso no passado: foi pescar talento em La Masia, como são conhecidas as categorias de base do clube. Nomes como Marc Bernal (que sofreu uma lesão grave quando era titular), Marc Casadó, Gerard Martín e Sergi Domínguez vêm ganhando espaço.
Somada a Pau Cubarsí e Lamine Yamal, dois adolescentes de 17 anos que já são titulares absolutos, a nova fornada deve comandar a renovação do Barcelona. Um desafio que começa pra valer nesta quinta-feira, e que terá na batuta Hansi Flick.
Um treinador que não sabe tudo do Barcelona, mas que é a maior esperança para o clube se encontrar consigo mesmo.
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