Alemão que fez Raphinha virar ídolo no Barcelona foi o arquiteto do 7 a 1
Onde você estava em 8 de julho de 2014, enquanto a Alemanha impunha a derrota mais marcante da história do futebol brasileiro?
O alemão Hansi Flick, atual técnico do Barcelona, estava no Mineirão, comemorando por vencer a seleção pentacampeã do mundo por 7 a 1 numa semifinal de Copa. Ele era um dos auxiliares técnicos de Joachim Löw, o treinador alemão naquele jogo histórico.
Mais do que isso: Flick era considerado o maior especialista em tática da comissão técnica, mais até do que o próprio chefe. Na época, Löw era considerado um treinador capaz de lidar bem com os atletas, entender as necessidades do grupo e interpretar o clima do vestiário.
Flick, por sua vez, era o estudioso que mergulhava na análise de rivais e traçava planos táticos, incluindo as jogadas de bola parada.
Foi dele a ideia de cobrança de escanteio que acabou com o primeiro gol do 7 a 1, marcado por Thomas Muller, após cobrança de Toni Kroos e um deslocamento de Miroslav Klose, puxando a marcação na primeira trave.
Flick também ficou famoso por uma imagem na final, contra a Argentina: foi ele — e não Joachim Löw — quem deu as instruções para Mario Götze, que entrou aos 43min da segunda etapa. Na prorrogação, o meia marcou o gol do título alemão.
Depois do 7 a 1, o 8 a 2
A carreira de Flick continuou ligada à seleção alemã depois da conquista da Copa de 2014. Logo após o Mundial, ele assumiu o cargo de diretor esportivo da Federação Alemã e ficou até 2017.
O retorno à beira dos gramados aconteceu em 2019, em grande estilo: Flick seria o auxiliar técnico de Niko Kovac no Bayern de Munique. Em três meses, ele foi promovido a treinador após a demissão do croata.
Foi no Bayern, em 2020, que Flick voltou a estar diante de um resultado histórico. Nas quartas de final da Champions League daquele ano, o time bávaro venceu o Barcelona por 8 a 2.
Para o clube alemão, o resultado foi a arrancada rumo ao título, que seria conquistado diante do PSG de Neymar e Mbappé. Já para o Barcelona, aquela goleada foi uma humilhação pela presença de jogadores como Lionel Messi, Luis Suárez, Gerard Piqué e Sergio Busquets.
Nos bastidores do clube catalão, o resultado decretou a saída do técnico Quique Setién, o início de uma "limpeza" no elenco que começou pelo lateral-direito Nelson Semedo e lançou uma pergunta: como o Bayern era tão superior fisicamente? A resposta passava pelo trabalho de Flick.
Ali, o treinador alemão entrou na agenda dos dirigentes do clube azul e grená.
Um novo Barcelona (e um novo Raphinha)
Entre a goleada histórica de Lisboa e a chegada de Flick ao Barcelona, foram-se quatro anos. No período, o treinador e o clube passaram por suas tempestades.
O alemão voltou à seleção como líder da comissão técnica e fracassou na Copa de 2022, caindo na primeira fase. O Barcelona também colecionou eliminações na primeira fase da Champions League e distanciou-se da elite do continente, além de mergulhar em uma grave crise financeira.
Além de ambos estarem em baixa, pesava contra o novo técnico uma crença que é quase um mantra no ambiente do clube catalão: "o treinador do Barça tem que conhecer profundamente o Barça".
Flick chegou sem falar espanhol (e menos ainda catalão) e sem ter conhecimento das pequenas estruturas de poder que se empilham no entorno do clube.
"Xavi trocava mensagens de WhatsApp com os principais jornalistas da Catalunha. Flick nem sabe quem são os principais jornalistas da Catalunha", resume o jornalista inglês Pete Jenson, há mais de uma década cobrindo o clube.
Como não devia nada a ninguém, Flick começou a fazer as coisas do seu jeito. Pela primeira vez em sua história, o Barcelona adotou as duas sessões de treinos por dia como norma. Além disso, há uma atividade no dia das partidas, algo inédito no clube.
Não foi só a quantidade de treinos; a qualidade também mudou. "Os jogadores terminam os treinamentos exaustos. Não conseguem fazer mais nada", disse ao UOL uma pessoa com acesso às atividades — a imprensa só vê 15 minutos por semana, quase sempre em uma distante roda de bobinho.
Foi com esse novo jeito de treinar e uma política de valorizar jogadores jovens que o técnico alemão levou o Barcelona a uma primeira metade promissora na temporada 2024-25: é vice-líder da fase de liga da Champions League, conquistou a Supercopa e goleou duas vezes o Real Madrid: 4 a 0 no Bernabéu e 5 a 2 na Arábia Saudita, no último domingo.
As mudanças de Flick tiveram efeito direto em Raphinha. O brasileiro passou a ser um dos líderes técnicos do time e foi recompensado sendo escolhido com um dos quatro capitães na tradicional votação popular do início da temporada.
Com as ausências frequentes de Ter Stegen, Araújo e De Jong (todos sofreram lesões de diferentes graus ao longo do ano), coube ao atacante a responsabilidade de usar a braçadeira na maioria dos jogos.
Encorajado pela confiança do treinador e pelo papel de líder, o brasileiro deu um passo à frente e vive, aos 28 anos, o melhor momento da carreira. Os 19 gols marcados na temporada já são um recorde como profissional.
Os números e a atitude já alçaram Raphinha a uma condição que, há um ano, era mais que improvável: a de ídolo do clube.
Reflexo de muito treino, insistência e esforço. Mas também do trabalho de um treinador que confiou nele como nenhum outro.
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Fernando de Souza Costa
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