Eternos retornos
POR LUIZ GUILHERME PIVA
1.
Empresário, dono do campo e do time e técnico vitalício. Largava a fábrica à tarde e ia comandar os treinos.
Uma vez, às vésperas de uma decisão, bolou uma jogada em que o ponta-esquerda ameaçava o chute pro gol, mas cruzava da quina da grande área para o ponta de lança, que corria por trás do quarto-zagueiro do time reserva e finalizava do bico da pequena área.
Repetiu duas vezes, três vezes, dez vezes, trinta, quarenta - dando cada vez mais certo, mesmo com os reservas já sabendo de cor o lance. Um sucesso.
Já escurecendo, mandou parar. Desistiu. Cancelou a jogada.
Os jogadores não entenderam:
- Por quê?
Mão no queixo, desanimado:
- Tá muito manjada. Vamos tentar outra coisa.
2.
Quando pequeno, ganhou uma camisa do Palmeiras, de gola V, mas sem o escudo.
Recortou o emblema da Placar e quis grampeá-lo na camisa.
Mas a mãe deu um jeito: levou a camisa e o recorte a uma bordadeira e ele passou a exibir o uniforme (o número 10 ele rabiscou à caneta preta) em todas as peladas - até espichar e o umbigo ficar de fora.
A mãe se foi estes dias.
Ele não joga mais peladas. Nem sabe se a história da camisa é verdadeira ou se é uma lembrança criada na infância - o que é igual.
Mas cogitou que tudo isso vai acontecer de novo, exatamente do mesmo jeito, em algum momento, ainda que leve mil anos.
E guardou, desde já, um escudo que imprimiu da internet.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" - ambos pela Editora Iluminuras
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