Em defesa da Pampulha e de uma UFMG que preserva sua cidade
POR SANDRA REGINA GOULART ALMEIDA e MAURÍCIO JOSÉ LAGUARDIA CAMPOMORI*
A realização de uma prova automobilística no entorno do campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em agosto deste ano, tem mobilizado a opinião pública nos últimos dias. Na arena do acirrado debate, a UFMG é um dos atores que tem manifestado grande preocupação com a condução do processo de organização da Stock Car, principalmente pelo fato de que as primeiras ações concretas relacionadas ao evento - como a derrubada de dezenas de árvores - já começaram a ocorrer, sem que antes se tenha estabelecido um amplo diálogo entre os organizadores e o poder público municipal com a Administração da Universidade e a comunidade universitária.
É importante registrar que a UFMG nunca se colocou em posição contrária à realização de corridas de Stock Car em Belo Horizonte nem mesmo questiona sua importância para a cidade. Por outro lado, parece fácil perceber que a área proposta para o evento configura local inadequado para sua realização, considerados os enormes danos ambientais e os constrangimentos ao funcionamento de vastos setores da Universidade nos dias de preparação, treino e realização do evento, ao longo dos próximos cinco anos.
O evento afetará não apenas as unidades mais sensíveis, como a área hospitalar em que se localiza o Hospital Veterinário, os espaços dos biotérios de criação de animais, a Estação Ecológica e o Centro Esportivo Universitário, mas todas as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade. No caso do Hospital Veterinário, sua presença em local contíguo à pista projetada é mencionada com preocupação em relatório da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Trata-se de instalação com ambulatórios, salas de cirurgia, setor de diagnóstico, necropsia, canil e estábulo para atendimento e internação de animais silvestres e domésticos de pequeno e grande porte. Nele são realizados cerca de 35 mil atendimentos por ano, e sua única via de entrada terá seu uso inviabilizado em todos os dias de realização do evento.
Em contraposição, argumenta-se de forma simplista que barreiras acústicas poderiam ser instaladas como solução definitiva ou até mesmo como um legado para a UFMG. Excluído o fato de que não foram apresentados ainda estudos concretos sobre a viabilidade de instalação e a efetividade da implantação de tais barreiras, nada se diz sobre o passivo ambiental e urbanístico dessas "muralhas". Também não se argumenta que essas barreiras passarão a constituir a imagem de um tipo de universidade separada da comunidade, algo que vai na contramão do que as universidades têm feito ao eliminar os muros que as separavam das populações em seu entorno. Se quiserem imagem mais dramática, oferecemos a da universidade sitiada, simbólica e materialmente apartada da cidade e de seus cidadãos, a antítese do que a UFMG representa para BH.
O próprio estádio Mineirão foi erguido, na década de 1960, como ampliação do projeto do antigo Estádio Universitário, em terreno cedido pela UFMG. Não é exagero afirmar que a corrida passará no meio da UFMG - cidade universitária de 60 mil pessoas solidamente fixada em Belo Horizonte. Não é admissível que o processo de planejamento e todas as decisões que antecedem a realização de uma atividade que gera tantos impactos exclua a Universidade e sua comunidade. É ultrajante que uma das maiores e melhores instituições de ensino superior do país e da América Latina tenha sido alijada da possibilidade de construção de entendimentos e de alternativas para a realização de um evento dessa magnitude.
A UFMG sente-se na obrigação de questionar e denunciar atos, formas e modos impositivos e atropelados, como os que vêm marcando o processo. Reafirma, também, sua obrigação de manter-se atenta às manifestações contrárias à realização do evento na Pampulha, de uma forma que só amplia o processo de degradação ambiental e urbanístico desse espaço afetivo e simbólico, cartão-postal de Belo Horizonte e patrimônio cultural da humanidade.
Mais que isso: a UFMG exerce o seu papel, como instituição social e educacional, de analisar e propor formas para garantir que a preservação do meio ambiente e o respeito às pessoas, à segurança e à urbanidade na cidade e na região sejam contemplados, sempre de forma a estimular o diálogo e a participação coletiva para a construção de soluções compartilhadas e reconhecidas pelos diversos atores da sociedade.
*Sandra Regina Goulart Almeida é reitora da UFMG.
*Maurício José Laguardia Campomori é diretor da Escola de Arquitetura da UFMG
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