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Opinião

O Bahia defender a Democracia não é hipocrisia

POR HUMBERTO MIRANDA *

No Cartão Vermelho do dia 02 de abril, o jornalista Rodrigo Mattos fez um comentário desairoso sobre a manifestação do Esporte Clube Bahia a favor da democracia para marcar sua posição em relação aos 60 anos do Golpe Militar de 1964.

Em primeiro lugar, gostaria de informar que a imprensa baiana e parte dos produtores de conteúdo do Bahia viram com bons olhos a atitude do clube. A expectativa era de que, como de costume, o Grupo City, não se manifestasse pela mesma razão alegada por Mattos. Portanto, foi uma grata surpresa para muitos.

Lembro a Mattos que as manifestações do Bahia sobre vários temas sociais, que quase não são abordados pelos clubes do Sudeste do país, há muito tempo vêm sendo objeto de campanhas do clube e continuam sendo abordados mesmo depois de o Grupo City ter comprado 90% do clube.

Tornou-se uma tradição do clube, ou pelo menos de 10% dele, e de seus milhares de torcedores.

O atual presidente da associação, o ex-goleiro Emerson Ferretti, eleito democraticamente, é também um patrimônio social do clube, sendo o único dirigente assumidamente homossexual em atividade.

O que dá uma ideia de que as coisas no clube não são puro marketing.

Nem preciso falar da questão racial, por óbvia.

Na Bahia, o debate sobre vários destes temas não é de cunho intelectualóide apenas, porque se reconhece e se dá relevância a eles na sociedade baiana, que vem de longe, como diria José Trajano.

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O embate é direto e o papo é reto.

O Grupo City é dono de 13 clubes de futebol e sabe que existem questões sensíveis em todos os países onde atua.

A poderosa monarquia que é sua proprietária faz parte de um mundo diferente do nosso, mas não deve em nada às monarquias européias e certas democracias imperialistas em termos de autoritarismo.

Lembro que o próprio Pep Guardiola foi pessoalmente ao palácio real nos Emirados Árabes Unidos entregar a taça da Champions League ao sheik Mansour bin Zayed al-Nahyan. Talvez isso devesse nos incomodar também, não acha?

Das três monarquias árabes, a do Catar, por exemplo, é uma espécie de fiel da balança na diplomacia internacional, que envolve o governo autoritário do Egito, para por fim ao genocídio israelense nos territórios palestinos.

Como tomar posição fácil numa situação dessas que envolve gente não muito democrática como nós, não é verdade?

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Portanto, a crítica pela crítica acaba sendo fácil de fazer. É que nem aquele tipo de torcedor brasileiro que torce contra o próprio time só para ter sempre razão na sua crítica.

Certamente não é o caso de Rodrigo Mattos, mas nem sempre controlamos o que pensam a nosso respeito.

Imagine o que estaríamos dizendo se o Bahia não tivesse se manifestado contra o golpe?

Foi melhor manifestar-se correndo o risco de ser chamado de hipócrita do que ter sido omisso em relação à tradição do clube em manifestar-se sobre várias pautas sociais e em defesa da democracia. Soaria, aí sim, contraditório.

Muitos torcedores do Bahia não vestem a camisa azul do City por protesto.

São contra a adesão a marcas ricas de clubes sem tradição no futebol.

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Eu sou um deles.

Nem por isso minha paixão pelo Bahia é iludida ou hipócrita.

*Humberto Miranda é professor de Economia na UNICAMP.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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