Juca Kfouri

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Opinião

Endrick, novo demais para ser hipótese, velho demais para ficar com a gente

POR LEANDRO IAMIN

O mundão está mais acelerado, tenso e desconcentrado. Em maio de 2013 Neymar tinha 21 anos e 3 meses. Naquele mês, assinou com o Barcelona. Foram três anos e pouco a mais de tempo em território brasileiro do que terá Endrick, que embarca assim que assoprar a velinha de seu 18º aniversário. Deu tempo de dançar mais, "inventar" a paradinha nos pênaltis, ser expulso por usar uma máscara de si mesmo, ter todos os penteados e figurar em qualquer editoria, qualquer manchete. Só a CBF não encontrou tempo no calendário para um campeonato nacional em que o menino do Santos pudesse jogar do começo ao fim.

Ronaldo estava com 17 anos e 10 meses quando partiu para Heindhoven. Impulsionado pela presença no Tetra, o ainda magrelo craque viu, ao seu redor, a criação de mitos, banda de Axé chamada As Ronaldinhas e uma nova proposta para o jogo fora de campo. Ronaldinho estava pintado e era enxergado em tom verde-dólar e deveria, acreditavam seus mentores, representar o futebol empresarial em alta escala: seria ele o jogador bem assessorado, bem alimentado, com contratos vitalícios fora do esporte, um divisor de águas para que nunca mais um boleiro tivesse que arrancar os meniscos ou passar por coisa parecida. Não deu totalmente certo.

Entre dançarinas loiras que deixavam no ar se tiveram ou não momentos íntimos com Ronaldo e Neymar dançando Beyoncé para vender presunto no intervalo dos jogos da seleção que ele mesmo defendia, tentativas de reinaugurar a imagem pretendida para a estrela do jogo. Sempre tentando "não perder a alegria, a brasilidade", aquilo que o Robinho tentou ser na entressafra entre os dois gênios. Mas o mundo está mais acelerado, tenso e desconcentrado. E mais inquisitório e convicto de que sabe mais do que sabe. E adicto de redes sociais que, passado o tema do dia, precisa de outro tema pro dia que chega. Não é tão novo, mas nunca foi tão eloquente.

Endrick se esforça para desdizer Neymar. Ninguém precisa falar assim, explicitamente, mas um Papa chega ao Vaticano para "corrigir" os excessos do anterior. Já vaticinou que detesta balada, a camisa passou a ser por dentro do calção, o penteado emula um descaso vintage com o tema e, em campo, tenta mostrar respeito com todos, fugir de confusões e provar que tem compromisso coletivo e defensivo, tudo que ficou na cabeça das pessoas que Neymar não é. Nas entrevistas, dá sinais de que estudou o passado da bola. É criticado por "excesso de mídia training", mas quem deixaria o moleque desprotegido? Dançar em comercial de presunto, hoje, é diferente do que era doze anos atrás. Ficamos ainda mais caretas.

Endrick vai para Madrid, onde vive Vini Jr, alvo de sistemáticas ofensas raciais. Terá quinze anos para se habituar a críticas maldosas, ataques descompromissados, ao modelo insustentável de comunicação no qual estamos enfiados, onde a maior parte do público já não distingue jornalismo de opinião ou fotografia de inteligência artificial. Ele parte com um pouco de peso na bagagem, essa preocupação de se manter infalível, desviar de ter opiniões enfáticas sobre religião, sexo ou a Amazônia, mas, ao mesmo tempo, ter alguma opinião sobre tudo e que caia bem para todos. Esse outro jogo é enlouquecedor e já o queremos com performance. Faltam ao menos quinze anos de carreira, quase o dobro de sua idade até aqui. Querer o Endrick de verdade não é o mesmo que pedir um Neymar de mentira.

O tal do Neymar hipotético, aquele que não seria tragado pelas distrações e ganâncias de seus chegados, inclusive paternos. Assim como há o Ronaldo hipotético, que acharia a perfeita medida da explosão atlética extraordinária, suficiente para ser um Fenômeno, mas não a ponto de estourar os alicerces de sua composição física. O Endrick é novo demais para ter uma versão hipotética, mas a gente pensa no que vai ser dele e de seu exército de pessoas prontas para protegê-lo de um futebol e um mundo implacáveis. Especial na condução da bola, veloz, inteligente, violento nas chegadas nos zagueiros, finalizador absurdo e um tanto mais: Endrick vai morar em Madrid.

Esse mundão acelerado e desconcentrado vai precisar lembrar de uma certa semana com gols em Wembley e no Bernabeu, de um 2023 em que ele decidiu ganhar praticamente sozinho um campeonato brasileiro e de uma alegria, uma mágica, que acaba cedo porque somos duros, mas que deixa na terra uma semente. Já nasceu aquele que daqui alguns anos terá uns 16, 17, e estará pronto para desdizer Endrick e refazer a imagem do jogador brasileiro ideal.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

4 comentários

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Antonio Emerson Pinheiro

Iamin, obrigado pelo texto. Obs. Leio enquanto assisto o último jogo, o que torna o texto, mais emotivo. 

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Julio Ótto Takeuspa

Emocionante  esse texto Juca.. hoje tudo rápido e acelerado..

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Wilson Hauschild

Será mais um banco do Real Madrid. Não é tudo isdo

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