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Opinião

Lições da Seleção de 1994 para a de 2026

POR BRUNO MAIA*

Em 2026, o futebol brasileiro voltará aos EUA com um jejum de 24 anos sem título de Campeão do Mundo.

E assim como naquela ocasião, o ciclo de preparação se revela de muita frustração e falta de esperança entre os torcedores.

Contudo, há uma diferença já notável: naquela época, surgiram líderes dispostos a romper com o passado para criar uma nova cultura na seleção.

Como retratado na série "Romário - O Cara", que dirigi e produzi para a plataforma de streaming Max, Romário não queria ser comparado com Zico, Falcão e Cerezo.

Pelo contrário, se referia a eles como "geração perdedora", que precisava ser deixada de lado para que novas histórias fossem escritas.

A "Era Dunga" surgiu de maneira pejorativa e se tornou o caminho para algo diferente, uma mentalidade que recusava o peso das derrotas anteriores e se propunha a escrever novos capítulos, baseando-se em cobrança máxima por performance de quem entrava em campo.

Quem quer que pretenda liderar a seleção ao próximo título, precisará fazer algo parecido.

Admitir erros e derrotas, conectar-se aos estímulos das novas geracões de brasileiros, às novas ambições, à necessidade de escrever algo original.

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Precisamos, de novo, esquecer o nosso passado glorioso para apontar um futuro à altura dele.

Para o ciclo rumo aos Estados Unidos na última década do século passado, as bases vieram de derrotas que, coincidência ou não, tal qual agora, foram simultâneas a um período vitorioso dos nossos rivais argentinos em campo. Alguns aprendizados ainda precisaram de um grande sofrimento nas Eliminatórias para amadurecer e gerar novos comportamentos e compromissos daquele time comandando por Parreira.

E não é que a seleção era melhor naqueles anos.

Os títulos costumam valorizar quem os conquista.

Ao contrário de agora, nenhum jogador daquela seleção podia pleitear ser o melhor do mundo antes da Copa de 1994.

Ao contrário, Parreira construiu um time de protagonistas de clubes coadjuvantes no cenário internacional, somado a quem se destacava no Brasil.

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A quantidade de craques não é o ponto que liga uma seleção ao seu povo, mas, sim, certa percepção de compromisso. Jogadores potencialmente capazes nós já temos. Um povo frustrado, também.

Se no início dos anos 90 o país vinha de uma crise profunda de confiança, em cenário marcado pela hiperinflação, impeachment do primeiro presidente após mais de 20 anos sem democracia, taxas de violência urbana explodindo, hoje talvez possamos observar a crise de uma democracia esgarçada pela polaridade, o mundo recém saído de pandemia, a ascensão das milícias e a repetição de rostos de um passado que também precisa ser superado para que um Brasil diferente possa surgir.

Talvez não seja coincidência que o futebol repita a vida fora dos campos.

E não está aqui uma proposta de que ninguém levante bandeiras políticas, até porque se o parâmetro é a virada de 1994, não foi isso que aconteceu ali tampouco.

Apenas uma sinalização de que um povo dividido tende a esperar que seus ídolos rompam com a falta de confiança que o cenário ao redor transborda.

Em 1994, as lideranças do grupo eram chamadas de "Dinos" e se ocupavam de ter, internamente, uma atitude altiva para blindar-se uns aos outros atletas.

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E não era pra fora, mas pra dentro.

Branco, por exemplo, só não foi cortado daquele elenco graças à interferência deste grupo de jogadores nos bastidores.

Quando o momento era de falar pra fora, víamos o contrário. Eram comuns muitas cobranças quando a própria perfomance ficava aquém.

Depois da vitória de 1x0 contra os Estados Unidos, nas oitavas-de-final, Romário saiu de campo dizendo que a atuação do time foi digna de pena, que estavam jogando muito mal e que, se seguissem daquele jeito, não ganhariam a Copa. Era naquela auto-crítica que o craque pegava o povo pela mão, dizia o que os brasileiros sentiam, mas ao mesmo tempo se comprometia com a melhora. Ali que se firmava o compromisso com a conquista e que gerava pressão positiva pela vitória, transformando a mentalidade.

Nos tempos de hoje, de super exposição em redes sociais, tudo é diferente.

A culpa não pode ser simplificada, jogando tudo sobre os jogadores.

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Privado e público, interno e externo, se misturam muito mais agora, 30 anos depois do tetra.

Mas é possível se construir algo diferente e romper com o antigo, sem exigir cancelamentos ou radicalismos tão típicos ao nosso tempo.

Há muitas lições nesse passado que servem de farol.

O pensamento crítico pode partir de vários pontos e ajudarem os atletas que queiram ser ajudados nessa missão de se reconectar com o povo e de viver o prazer máximo que se sentir representando o país nos gramados deve causar.

Após vencerem em 1994, todos aqueles atletas se tornaram maiores.

Novamente, o compromisso inegociável com a performance é o que poderá nos guiar neste momento que o país tanto precisa disso também fora de campo.

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E, claro, uma dose de entendimento de que o futebol por essas bandas não se desconecta da realidade dos últimos anos do nosso povo.

É com originalidade diante de cenários como o atual que nascem os ídolos de verdade.

Há oportunidade aí pra quem se candidatar.

*Bruno Maia é o diretor da série "Romário - O Cara" e especialista em inovação e tecnologia no esporte.No X @brunomaia14. No Instagram @brunomaia

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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