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Opinião

Forças Armadas ou Farsas Armadas?

POR FREDERICO GUIRRA E LINO CASTELLANI*

Sob os holofotes da Cidade Luz, a manchete deveria ser a seguinte: "Atletas das Forças Armadas conquistam a maioria das medalhas do Time Brasil nas Olimpíadas de Paris".

Time Brasil, ou Tropa de Elite?

Exagero? claro que não! Afinal, das 20 medalhas em Paris/24, 11 (55%) foram conquistadas por atletas militarizados.

Ponto para a estratégia do COB e mérito dos sargentos Duda e Ana Patrícia (Ouro no vôlei de areia); Alisson Santos (Bronze nos 400m com barreira); Willian Lima (Prata no judô); Larissa Pimenta (Bronze no judô), Beatriz Ferreira (Bronze no boxe); Edival Pontes -Netinho - (Bronze no Taekwondo); Beatriz Souza (Ouro no judô); e das ginastas Flávia Lopes Saraiva, Jade Fernandes Barbosa, e Lorrane Oliveira (Bronze por equipe).

Sim! Até as meninas da ginástica foram fardadas!

É verdade que não teve continência no pódio (discrição?), como nas edições anteriores dos Jogos Olímpicos, mas o dinheiro investido nos Programas PAAR e PROFESP, programas em que as Forças figuram como protagonistas, estava ali presente.

Mas isso não é algo novo no Esporte brasileiro.

Na onda dos megaeventos esportivos, o Brasil foi escolhido para sediar em 2011, a V Edição dos Jogos Mundiais Militares, na cidade do Rio de Janeiro. Sim! Um megaevento esportivo militar em um país sem nenhum tipo de tradição nessa seara...

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Nada à toa. A estratégia estava em curso...

Com a criação do PAAR - Programa Atletas de Alto Rendimento, em 2008, atletas de alto rendimento nacional ingressam nas Forças Armadas por meio de editais, podendo ficar nelas por até 8 anos. O processo de seleção levava em conta, principalmente, os resultados obtidos por eles em competições nacionais e internacionais.

A estratégia deu certo. Tínhamos, a partir de então, uma tropa de elite do alto rendimento nacional, fantasiada de militar, mas longe de viver a vida e rotina da caserna...

No PROLIM - Programa Olímpico da Marinha -, por exemplo, os atletas passam por um curso de formação com duração aproximada de 40 a 45 dias, retornando após esse período às suas rotinas de treinamentos em seus clubes.

Os grandes atrativos estão no soldo, apoio médico/odontológico, e participação garantida nos calendários esportivos civil e militar.

Sem dúvida, melhores condições de treinamento para "nossos" atletas...

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Militar mesmo, da Caserna, apenas o capitão do Exército, Philipe Chateaubrian, que competiu em Paris pelo Time Brasil no tiro esportivo. Os demais podem até terem posado fardados pra fotos, mas...

A partir desse "combinado", o Brasil, que já havia participado de outras quatro edições de Jogos Mundiais Militares, nunca configurando entre as melhores equipes militares mundiais - alcançando até então apenas uma 36ª posição em Roma, (1995), 22º lugar em Zagreb (1999), 15º lugar em Catânia (2003) e 33º lugar em Hyderabad (2007), salta para o 1º lugar nos jogos do Rio em 2011, e daí para frente.... Céu de brigadeiro! 2º lugar em Mungyeong, na Coréia do Sul, em 2015, e 3º lugar em Whan, na China, em 2019.

Quem diria! Brasil, potência esportiva no Esporte Militar! Afinal, não existe "almoço grátis", não é COB?

Por sua vez, no quesito Jogos Olímpicos, missão dada, é missão cumprida!

Em Londres, 2012, 05 das 17 medalhas foram obtidas por atletas militarizados. No Rio de Janeiro, em 2016, 13 das 19 medalhas conquistadas foram de atletas pertencentes ao quadro verde-oliva. E em Tóquio, 2021, das 21 medalhas, 08 foram de atletas das Forças Armadas...

Uma coisa é certa. Em meio a redução do financiamento público para o Esporte, presente nos governos Temer e Bolsonaro, notadamente com os cortes realizados no programa Bolsa Atleta, a reinserção do Esporte Militar na política esportiva nacional deu às Forças Armadas um protagonismo até então jamais visto.

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Fica impossível pensarmos, hoje, o Esporte Olímpico Nacional sem a participação dessa "farsa armada" ...

Sempre nos perguntamos se os militares de carreira não se sentiam constrangidos por assistirem - nos dois sentidos - a tamanha e tacanha manobra. Fortes sinais apontam que a insatisfação é grande...

Seria demais perguntar que compreensão de ética, moral, respeito se fazem presentes nas Forças Armadas, dada a gambiarra esportiva arquitetada?

Por esses e outros motivos - dentre eles valores tais como o entendimento de formação cidadã centrada na obediência cega, alienada, acrítica, irrestrita à hierarquia militar -, razão pela qual - tal e qual se dá com as Escolas Cívico-Militares - defendemos o fim do programa Forças no Esporte voltado para nossas crianças e jovens, carentes de valores que elevem suas capacidades de crítica e autonomia em seus processos de desenvolvimento humano...

Enquanto isso, na iluminada e romântica Paris de Edith Piaf, o romantismo e o "au revoir" aos Jogos pela delegação brasileira se deu no melhor estilo militar...

SELVA!!!!

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*Frederico Guirra é Doutor em Educação Física pela Unicamp; Docente da Universidade Federal do Mato Grosso - Campus Barra do Garça; Autor da tese de Doutorado "Os V Jogos Mundiais Militares no Brasil: a reinserção do Esporte Militar na política esportiva nacional" (Campinas, SP: Unicamp, Programa de Pós-Graduação em Educação Física, 2014), e artigos acadêmicos sobre a temática.

*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação pela Unicamp; Professor Livre-Docente (aposentado) da mesma Universidade; Foi Presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, CBCE, de 1999 a 2002, e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte de 2003 a 2006; É Membro Pesquisador do Grupo de Pesquisa "Avante/UnB", e do Instituto Piracicabano de Defesa da Democracia, "IPEDD".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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