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Opinião

O Nobel da Paz e a Bola de Ouro

POR BERNARDO PASQUALETTE

"Um fiasco total. Foi o pior prêmio em toda a história."

A declaração acima cairia como uma luva para definir a última segunda-feira, provavelmente uma das mais tristes da história do futebol. No entanto, foi dita há mais de 50 anos atrás. Refletia o sentimento dominante ao redor do globo após as indicações ao prêmio Nobel da Paz de 1973. Com admirável atualidade, reflete o que o mundo do futebol sente após a divulgação do resultado do prêmio de melhor jogador de 2023/24organizado pela revista France Football.

Dita pelo norueguês Asle Sveen, especialista no Nobel, revelava a perplexidade geral após a divulgação de um dos vencedores daquele ano: ninguém menos que Henry Kissinger, secretário de Estado norte-americano, agraciado junto a Le Duc Tho, membro do Partido Comunista do então Vietnã do Norte.

Ontem como hoje, resta difícil entender os critérios que levaram aos vencedores dos dois prêmios. Se os Acordos de Paris de 1973 não resultaram em um cessar fogo definitivo na Guerra do Vietnã, pior ainda era premiar alguém que sabidamente estimulou impiedosos bombardeios a Hanoi para forçar uma negociação de paz em termos favoráveis ao seu país.

Não menos perplexa ficou a comunidade do futebol após a indicação do espanhol Rodri e a consequente preterição de Vinicius Junior. Mais do que coroar o ano mágico que Vini teve na última temporada, o prêmio faria jus a sua personalidade e, principalmente, a sua coragem, ao se expor publicamente em um país hostil à causa que milita: a luta contra o preconceito racial.

É possível argumentar que o prêmio deve avaliar apenas o futebol apresentando em campo, sem considerações de qualquer outra natureza. É uma forma de ver a questão, mas, mesmo que se admita esta opção como a mais correta, a premiação continua a incorrer em um notável vício de origem - sua flagrante e abissal injustiça.

Pior do que a injustiça foram manifestações pontuais na Espanha, mais precisamente em um artigo publicado pelo site Sport, assinado pelo jornalista L. Miguelsanz. Sem meias palavras, afirma o seguinte: "É uma grandiosa notícia [a escolha de Rodri] para o futebol e para os seus profissionais. E, sobretudo, uma lição para Vinicius para que aprenda a se comportar melhor e respeitar seus rivais." Não satisfeito, se permitiu ir ainda mais longe: "Seus protestos e provocações contínuos, seus atos reprováveis sobre o gramado e a sensação de que não aprende seguramente lhe tiraram votos."

Reflexo do atraso de uma mentalidade que não pode ser atribuída ao povo da Espanha, mas, antes, ao signatário do texto e a quem lhe oferece apoio, traduz o que de pior há em solo europeu: um eurocentrismo acrítico, sectário e desconectado dos valoresrespeitados na maior parte do mundo ocidental.

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O que Vini Junior deve aprender? O jornalista obviamente não explicita em seu texto, assim como não explica o que seria em sua visão um "comportamento melhor" e, mais lamentável ainda, não indica quais "protestos" de Vini estariam equivocados.

Nada melhor do que os fatos. As tais "provocações" são suas comemorações efusivas, alvo de críticas na Espanha e que geraram uma onda de solidariedade ao redor do mundo intitulada "baila, Vini". Nascido e criado no Rio de Janeiro, sua espontaneidade prova que as tradições de um país podem ser ricas culturalmente sem ferir ninguém - inclusive os animais. Talvez a Espanha pudesse olhar para esse fatocom humildade, o que certamente levaria o país a uma reflexão sobre as famosas "touradas" que em seu território ainda são toleradas - e que geram sofrimento extremo aos touros.

Noves-fora esse exemplo de primitivismo, restam os "protestos" por parte de Vini, criticados pelo jornalista espanhol. Poderia se falar muito da nobreza da causa na qual o jogador milita, mas, neste contexto, poucas palavras são capazes de resumir uma situação complexa: Vini não quer ser apenas o melhor; em realidade, ele luta por um mundo melhor. Não apenas para si, mas para todos nós - inclusive o povo espanhol.

Por fim, voltemos ao Nobel de 1973 -quando professores da Universidade de Harvard escreveram ao parlamento norueguês para expressar o sentimento predominante nos Estados Unidos ante a duvidosa indicação: "[a indicação de Kissinger foi] mais do que uma pessoa com senso normal de justiça pode suportar". Para qualquer um com um mínimo de conhecimento de futebol - e senso de justiça - o prêmio de melhor do mundo deste ano é, sem dúvidas, muito mais do que "uma pessoa com senso normal de justiça pode suportar".

Já Rodri poderia se inspirar em Le Duc Tho e recusar a premiação, a única ocorrida na história do Nobel. Seja por altivez, seja por senso de proporção, o futebolista espanhol mostraria à organização do prêmio o que o mundo já percebeu faz tempo: Vini é o melhor jogador de 2023 - dentro e fora de campo.

Ainda há tempo.

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*Bernardo Pasqualette é jornalista e escritor.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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