Juca Kfouri

Juca Kfouri

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Botafogo: crônica do capítulo mais glorioso de sua história

POR ALMIR MOURA*

Há entre os feitos memoráveis um excelente costume, que é não deixar apagar da memória as circunstâncias que tornaram o acontecido algo tão grandioso.

Pois apesar da excelência do costume, não era propósito do Botafogo - em sua primeira final de Libertadores - passar por tamanha provação.

Flertar com o imponderável, com o extraordinário - definitivamente não fazia parte do script original.

Mas um incidente inaugural mudou-lhe o plano.

E no duelo mais valioso de toda uma trajetória centenária. No chamado jogo da vida.

Um duro golpe, um imprevisto maldito o fez mal iniciar a luta e já se perceber nas cordas. Prenúncio este aterrorizante. Desesperador.

Mal iniciou a batalha, e se já se viu imerso em um cenário completamente desfavorável. Com a perda das rédeas do jogo, que mal havia começado.

Iniciar desta forma, com um combatente a menos que seu oponente, certamente, soaria inapelável sentença de morte. Para qualquer clube.

Para o Botafogo então...

Após o "crime culposo" de Gregore - praticado sem intenção de "matar".

Triunfar àquela altura, tornara-se algo muito pouco provável. Uma Fábula! Mera utopia. Verdadeira obra de ficção!

Mas, o glorioso estava disposto a escrever o capítulo mais grandioso de sua história.

Superar circunstâncias adversas, fantasmas, traumas do passado. Fazia-se necessário.

Continua após a publicidade

Nem o mais incrível Hulk seria capaz de demover o Botafogo da sua missão.

As tentativas de arremates contra a meta de John foram, porém, se sucedendo.

Cada chute (do galo) ecoava como um susto. Grandioso. Um trauma redivivo, trágica assombração.

Chute adversário e susto já não conseguiam mais se dissociar, tornaram-se ali sinônimos. Pavorosa aflição.

O temor foi tomando conta da plateia botafoguense. Desiludida. Cabisbaixa. Incrédula.

Os adeptos do clube da estrela solitária estavam à beira de um ataque de nervos. De um infarto. Enfarte, enfarto. Como queiram!

(Como não queriam os alvinegros cariocas).

Todavia, eis que o jogo estava prestes a virar. O rei Artur tinha um plano.

Como um Lorde, o treinador português resolveu aparecer da forma mais providencial possível:

Não aparecendo. Simplesmente não "fazendo nada". Ou apenas tudo que era necessário.

Outros treinadores teriam mexido equivocadamente nas peças do tabuleiro àquela altura.

Retirar de cena algum cavaleiro do quarteto fantástico: Almada, Igor Jesus, Savarino ou Luiz Henrique. E colocar mais um defensor em seu lugar seria o "trivial".

Mas, Artur Jorge é incomum, especial. Inspirado, reorganizou o time sem retirar uma só peça da prancheta inicial.

Equilibrado. Decisivo. Crucial. Genial.

6 3 seria seu novo esquema, com Luiz Henrique fazendo às vezes de super herói.

O Pantera Negra do Fogão. Com múltiplas facetas. E sem nenhuma máscara, para desespero de Hulk, o incrível.

Ora, o Pantera atuava como defensor pela esquerda. Ora como atacante pela direita. Ora como um raio pelo meio.

Literalmente, ele estava em todos os lugares. E sempre demonstrando uma força, resistência, agilidade, reflexos e velocidade sobre-humanas.

Não havia dúvidas: Luiz Henrique tinha super poderes. Endiabrado, iluminado, não estava para brincadeira.

Ele começa a jogada que muda não só o enredo da partida, mas o patamar de um clube para todo sempre.

Após bela trama com Almada, a bola (despretensiosamente) lhe sorri de volta - como quem diz:

Continua após a publicidade

Chuta (todos fantasmas e vilões do passado deste clube glorioso), e corre pro abraço, meu garoto!

Chutaço! Inapelável! 1 a 0, Botafogo.

Um super-herói em ação, e o épico começava a se desenhar.

Botafoguenses em êxtase, aos prantos, sem acreditar. Agora quem estava atordoado era o adversário.

Eis que Luiz Henrique, o super herói botafoguense entra em cena mais uma vez.

Usando toda sua astúcia e velocidade.

Aproveitando vacilo indesculpável do (Homem) Arana, o 7 botafoguense chega mais rápido que o adversário e sofre penalidade.

Cobrança precisa, magnífica! 2 a 0, Fogão.

E os botafoguenses que ainda não acreditavam no que viam, desacreditaram ainda mais.

A epopéia de General Severiano ganhava contornos gloriosos.

Bravamente, e com um a menos desde o 1º minuto, a equipe carioca não apenas se segurava, mas vencia a partida brilhantemente.

De forma inesquecível. Memorável. E fazendo seu adversário desfrutar do seu próprio veneno.

Camaleônico, o Botafogo não fazia a menor questão de ter a bola. Poucos passes trocava.

Mas, quando visitava a área mineira, dava estocadas precisas. Cirúrgicas.

E dessa forma, a Libertadores ensaiava ter um novo dono.

Mas, a epopeia não tinha acabado. Ainda restavam longos e intermináveis 45 , 49, 52 minutos. Uma eternidade.

A etapa complementar mal começou, e gol do adversário.

Toda apreensão, inquietação, todo pessimismo, desespero estavam de volta aos adeptos botafoguenses.

Traumas renascendo. Monstros ressurgindo. Tudo se encaminhando para um fim costumeiramente trágico.

O clube mineiro foi para cima, e o Botafogo apenas se defendia como podia. Com alma. Na raça. No coração.

O Atlético flertava com o empate, o Botafogo com o desastre.

Mas, eles teimavam em não se concretizar.

Vargas - guardem bem este novo - teve a bola da prorrogação em seus pés. Por duas vezes.

Na primeira, impreciso, chutou pra cima. De forma inacreditável.

Na segunda, já no apagar das luzes da partida, oportunidade ainda mais clara.

Imperdível. De frente pro gol. Goleiro adversário vendido. Não tinha como perder.

Isolou! Perdeu!

Neste exato instante, o botafoguense mais otimista teve a certeza de que seria campeão. Ou seja, quase nenhum (alvinegro carioca).

Já os mais supersticiosos, ah, estes sim, só puderam comemorar mesmo, após o terceiro gol. O do 3 a 1.

Ufa! Fim de papo! E com agradecimento eterno a São Vargas, o mais novo Santo de General Severiano.

De forma brava, guerreira, heróica, épica, retumbante. O Botafogo de Futebol e Regatas 2024 conquistava sua primeira Libertadores.

E escrevia para a posteridade O CAPÍTULO MAIS GLORIOSO de sua história.

*Almir Moura é baiano de Rodelas, pai de Juan e Mari, progressista, são-paulino e professor.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.