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Opinião

O Botafogo, o Brasil e a omissão do Estado

POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CARVALHO

No ambiente do futebol, especialmente do brasileiro, que é pautado pela cultura do curtíssimo prazo, não se costuma tolerar a planificação que não tenha como objetivo imediato o resultado dentro de campo; mesmo que o imediatismo comprometa a estrutura e a saúde financeira do time.

Ano passado, por exemplo, pouco mais de um ano do investimento realizado por John Textor e da revolução gerencial que se introduzia na SAF Botafogo, com a reunião de executivos ultra qualificados, houve quem dissesse que o projeto fracassara, apesar de o time não ter conquistado o campeonato brasileiro de 2023 (apenas) em função da perda de um pênalti.

O que se construía, porém, era um projeto que ia muito além de um improvável título, logo no início da jornada.

Na Libertadores de 2024, motivo justificado da atual euforia botafoguense, o caminho nem sempre foi suave, e o desfecho glorioso correu riscos reais em diversos momentos.

Para não ir muito longe, após impor ao São Paulo, nas quartas de final, o maior massacre já sofrido pelo time paulista em Libertadores, e ainda assim não marcar um gol, o Botafogo poderia ter sido derrotado, no Rio de Janeiro, não fosse certa oportunidade desperdiçada por Calleri no final da partida; e, dias depois, no Morumbi, ainda poderia ter sido desclassificado, não tivesse Lucas perdido um pênalti e, outra vez, Calleri deixado de marcar mais um gol feito.

A grande final, em Buenos Aires, contra a SAF do Galo, se revelou ainda mais tortuosa, em decorrência da expulsão, após poucos segundos do início da partida, de jogador que sustentava o sistema de marcação do time.

Naquele momento, os grupos de WhatsApp não paravam de circular manifestações de incredulidade e de sentenciamento de mais um tropeço histórico. Talvez, com alguma razão, pois, como mencionado, em ato premonitório, por determinado dirigente sul-americano ao Vice-Presidente Executivo do Botafogo, Jonas Decorte Marmello, na véspera do jogo, uma expulsão em final antes de 15 minutos do início representaria, estaticamente, chance de quase 100% de derrota.

O que ocorreu, ao contrário, e o planeta viu, foi uma vitória épica, que segundo Nizan Guanaes, Shakespeare não seria capaz de dramatizar, e, em minha opinião, Homero não saberia converter em elementos de batalha.

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A narrativa deste artigo poderia soar oportunista, após o título, se a origem do atual sucesso do Botafogo não tivesse sido objeto, direta e indiretamente, de dezenas (ou melhor, centenas de outros artigos), nesta coluna, em defesa, inicialmente , do Projeto de Lei e, finalmente, da própria Lei da SAF, de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, que foi (e é) a razão de o Botafogo ter inaugurado novo período de glórias.

Voltando, agora, ao plano da razão, a Lei da SAF - instrumento inaugural de uma política pública que se constrói, infelizmente, à margem da atuação de Governos (e já são 4 Governantes, desde a inauguração do debate, alheios ao processo), e que ganhou inestimável reforço com a publicação do Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023 - ofereceu uma perspectiva única na história do esporte, no país.

Sim, perspectiva que consiste na possibilidade de construção de um sistema integrativo, que aproxima detentores de capitais e proprietários seculares do futebol - os clubes -, dentro do qual se oferece um conjunto de atributos, como segurança jurídica, previsibilidade e possibilidade de cálculo, com maior precisão, do risco empresarial.

Antes que se comece a criticar uma inexistente visão unicamente mercantilista, aquele sistema, que deve ser eficiente e gerador de riquezas, para aumento do bem-estar coletivo e da distribuição de renda, representa, em país tão desigual como o Brasil, a mola propulsora de inserção social e econômica das camadas menos favorecidas.

Mais do que isso: também se apresenta como o mais poderoso instrumento de soft power brasileiro, capaz de entrar em bilhões de televisões e smartphones espalhados em todos os países.

Essas são, pois, as perspectivas que já deveriam ter sido compreendidas e estimuladas, pelo Estado e seus Governos, especialmente por meio da construção de adequado arcabouço legislativo e regulatório, em benefício do desenvolvimento do povo e da nação.

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Aliás, recente estudo do IBESAF apurou a existência de 95 sociedades anônimas do futebol, dentre pequenas e grandes, localizadas em dezenas de municípios. O número é expressivo, mas ainda incipiente: dos 20 times que participaram da Série A do campeonato brasileiro de 2024, 8 adotaram a forma societária; dos 20 da B, 3; dos 16 da C, 6; e, finalmente, dos 64 da D, 7. E toda e qualquer SAF, por enquanto, ainda traça o seu o caminho solitário, sem um plano à altura das contrapartidas que, reunidas, poderiam proporcionar à sociedade.

Há muito a fazer, no plano coletivo. E é esta a lição que agentes públicos, de membros do Executivo aos do Judiciário, passando pelos Congressistas e Reguladores, poderiam - ou deveriam - captar: o futebol não é apenas um esporte, mas uma das vias de ressignificação da nossa sociedade. E assim deveriam se compor para defender e oferecer o ferramental necessário para formação e afirmação do mais pujante mercado do futebol do planeta - além de se aproveitarem do momento para expor posts e comentários que se perderão no infinito das redes sociais.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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