Só isso e o gol
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Não acabava o buraco.
Tudo escuro, veloz.
A luz da boca sumiu lá do alto.
Nem sinal do chão.
Não dava para entender. Estava no meio da pelada, ou era um jogo, e ele era o centroavante, ou apenas sonhava que estava em campo, ou só se lembrava de que houve um dia, numa partida, ou então imaginava que haveria um dia, numa partida, mas era clara a jogada, a bola chegando, o marcador distraído, era aparar e virar e chutar, quando o buraco.
Só percebeu o vazio nos pés.
A imersão repentina no vão.
Olhou para o alto para ver se a bola caía também ou se alguém o procurava, mas era tão rápido, o círculo claro se comprimiu e fechou, os braços em cruz não alcançavam as paredes, abriu os olhos mil vezes, talvez lá embaixo houvesse algo - ou nada?
Nunca acabava, e ele mais e mais se lembrava da pelada, ou do jogo, ou do sonho, ou da lembrança, ou do desejo, era tudo tão claro, a bola ali à mercê, era ajeitar e virar e chutar.
Só isso e o gol.
Mas o buraco.
A queda.
O vão.
Nunca acabava.
Até que pousou.
Noutro campo, noutra pelada, noutro jogo, noutro sonho, noutra lembrança, noutro desejo.
Mas na mesma posição. Na mesma jogada.
A bola chegando.
Aparar e virar.
Virar e chutar.
Chutar e o gol.
Mas, de novo, bem na hora, outro buraco.
Outra queda.
Outro vão.
Outro pouso.
E outra vez, e mais outra, e sempre.
De campo em campo.
De buraco em buraco.
Sempre naquela hora.
Se ao menos mais uns segundos.
Para ao menos ajeitar.
Ao menos virar.
Ao menos chutar.
É só isso e o gol.
Mas não.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" - ambos pela Editora Iluminuras
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