O ódio dos canalhas, por favor
MARCOS CALDEIRA*
O mais importante no jornalismo é ser odiado pelas pessoas certas e perder aquele dinheiro que seria vergonhoso receber. Exemplo são os ladrões de verba pública, prática ominosa, que causa sofrimento ao povo e atrasa cidades.
Um jornalista digno desse substantivo tem de ser odiado pelos canalhas. Se não for detestado pelas piores pessoas, principalmente na política, há algo muito errado com ele.
Jornalista não tem de ter visão neutra do mundo, tem de identificar o mal e combatê-lo. Tem de conquistar credibilidade para manter em sua órbita especialistas em assuntos cruciais, gente capacitada e com espírito público, para ajudá-lo a interpretar temas determinantes. Sem honradez não se junta bom time em torno, pois pessoas sérias repelem desonestos.
Jornalista tem de ter lado, se posicionar, isso de "jornalista imparcial" é bobagem, inexiste, e nem seria salutar existir: por que deveria ser neutro diante de violências? Ter lado sempre, e ai de quem se situar no torto da história, vira lixo.
Assumir posição, desconfiar de suas certezas, estar permanentemente aberto a reconsiderações e jamais ser igreja de ideologia ou partido.
Todo jornalista ou dono de meio de comunicação tem de ter amplo acervo de perda de muito dinheiro em nome de causas coletivas. Um jornalista grande não gagueja diante desta pergunta: "Em quais momentos o senhor perdeu dinheiro, se indispôs com gente poderosa e correu riscos para veicular informação de alto interesse público?"
Jornalista não existe para "atender a expectativa do povo", isso é coisa de comunicador vagabundo, jornalista tem de ser culto, ler desbragadamente, acumular informação até quase se enlouquecer, para poder puxar o público para cima, aumentar seu repertório de gostos.
Onde houver injustiça e preconceito o jornalista é obrigado a enfiar seu jornalismo -- não é opcional, é obrigação. Leitor, não acredite em jornalista cordato, que quer ficar bem com todo mundo.
Jornalismo é faixa de gaza, não pasto calmo ao luar em Ipoema. Quer paz? Não seja jornalista, monte lojinha de aviamentos ou vá vender ursinho de pelúcia na Festa da Queima do Alho em Santo Antônio do Escalvado.
*Marcos Caldeira é editor de O Trem, o melhor jornal das Minas Gerais.
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