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Marcel Rizzo

REPORTAGEM

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Por que acordo que privilegia futebol na pandemia não valeu para argentinos

Anvisa interrompeu Brasil x Argentina com cinco minutos do primeiro tempo na Neo Quimica Arena, em São Paulo - Agif/Folhapress
Anvisa interrompeu Brasil x Argentina com cinco minutos do primeiro tempo na Neo Quimica Arena, em São Paulo Imagem: Agif/Folhapress

Colunista do UOL

06/09/2021 09h47

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Conmebol, CBF e AFA (Associação do Futebol Argentino) estavam tranquilos com relação à entrada no Brasil dos argentinos que jogam na Inglaterra com base em um acordo feito pela confederação sul-americana com o governo no ano passado, que flexibiliza exigências sanitárias para delegações de futebol durante a pandemia. O problema é que uma recente portaria não abre exceções para viajantes vindos do Reino Unido, o que anulou parte desse acerto.

Brasil x Argentina, pelas Eliminatórias da Copa-2022, foi interrompido aos cinco minutos do primeiro tempo, neste domingo (5), depois que representantes da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) entraram no campo para exigir a retirada do jogo dos quatro atletas argentinos (Emiliano Martínez, Cristian Romero, Giovani Lo Celso e Emiliano Buendía), que segundo a agência descumpriram normas sanitárias do combate à covid-19 ao entrar no Brasil.

Em julho de 2020, a direção da Conmebol se reuniu com representantes dos ministérios da saúde dos dez países filiados. Foi apresentado o protocolo da entidade para o retorno do futebol, que estava parado desde março por causa da pandemia, com o pedido para que se criasse uma exceção nas exigências sanitárias de cada local para a entrada de delegações de clubes e seleções.

Na época, por exemplo, a Argentina barrava qualquer estrangeiro de entrar em seu território e era preciso um acordo que flexibilizasse isso. No fim de agosto, como revelei na coluna, a Conmebol tinha o aval dos dez governos a seu protocolo e ao acordo para a flexibilização, documentada por comunicados enviados por cada ministério.

Libertadores e Sul-Americana retornaram em setembro, e em outubro já houve confrontos das Eliminatórias. O protocolo define que a delegação só pode permanecer no país onde entrará por até 72 horas, com todos da delegação testando negativo para covid-19 e, caso alguém dê positivo, é isolado imediatamente. Mas anula qualquer tipo de quarentena exigida ao entrar no país.

Mudança de regra
Até agora vinha sendo usado para liberar a entrada das delegações no Brasil um item específico do artigo 3 das portarias do governo que definem as restrições de acesso ao país por causa da covid-19. Diz o texto que as proibições não se aplicam a "profissional estrangeiro em missão a serviço de organismo internacional, desde que identificado". Legalmente esse trecho foi usado desde setembro de 2020 para abrir exceção a todos os clubes que viajaram ao Brasil para jogar Libertadores e Sul-Americana e na Copa América organizada pelo Brasil entre junho e julho deste ano.

O problema é que a portaria nº 655 de 23 de junho de 2021, que determinou a quarentena de 14 dias para aquelas pessoas que chegarem do Reino Unido, África do Sul e Índia, tem um parágrafo que acaba com essa exceção, e que foi o usado pela Anvisa para tentar retirar do país os quatro jogadores argentinos que jogam na Inglaterra.

Diz o inciso 6.2 do artigo 7 que "o viajante que se enquadre no disposto no art. 3º, com origem ou histórico de passagem pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, pela República da África do Sul e pela República da Índia nos últimos quatorze dias, ao ingressar no território brasileiro, deverá permanecer em quarentena por quatorze dias". Ou seja, não há exceção para quem chega da Inglaterra.

A coluna apurou que houve irritação da cúpula da Conmebol e da AFA com a CBF, que não previu esse problema. Acreditam que se houvesse tido um pedido na semana passada, mesmo com a nova determinação na portaria talvez se pudesse ter encontrado uma brecha legal para flexibilizar a entrada dos quatro jogadores.

A situação se complicou ainda mais com a omissão de passagem pela Inglaterra na documentação exigida pela Anvisa entregue pelos argentinos, o que caracteriza fraude. Esse é um dos pontos ainda sem explicação no caso: houve orientação para que a Argentina não colocasse essa informação na papelada entregue na Alfândega? De quem?

Outra questão que ainda precisa ser melhor detalhada é por que a Anvisa demorou para acionar a polícia para retirar os argentinos do país, o que acabou feito apenas com o jogo em andamento.

O caso agora será remetido à Comissão de Disciplina da Fifa. O jogo poderia ser reagendado, mas é complicado achar data para isso. Ou a federação internacional, que organiza as Eliminatórias (a Conmebol só realiza a parte operacional), pode determinar um vencedor por WO. A Argentina abandonou o jogo quando representantes da Anvisa tentaram tirar os atletas do campo, mas a CBF era a mandante com responsabilidade de fazer o jogo ocorrer sem sobressaltos. Não há data para uma decisão ser tomada.