Topo

Marcel Rizzo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Clubes criam novos contratos para impedir que atleta vendido volte a rivais

João Gomes, ex-Flamengo, é anunciado pelo Wolverhampton e vai jogar a Premier League em 2023 - Divulgação/Wolverhampton
João Gomes, ex-Flamengo, é anunciado pelo Wolverhampton e vai jogar a Premier League em 2023 Imagem: Divulgação/Wolverhampton

Colunista do UOL

04/02/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em meio ao aumento das chamadas MCOs, sigla em inglês para multipropriedade de clubes, os contratos de venda de jogadores têm passado por atualizações para dificultar que um atleta negociado a um conglomerado possa depois de poucos meses defender as cores de um rival.

Há algumas maneiras de tentar evitar que um profissional repassado, por exemplo, pelo Flamengo para o Lyon, da França, retorne ao Brasil em seis meses para defender o Botafogo, que compartilha com os franceses o investidor John Textor. Uma situação que quase ocorreu recentemente com o volante João Gomes, que tinha oferta do Lyon — no fim ele foi negociado com o Wolverhampton, da Inglaterra, propriedade de um grupo chinês.

"Especialmente nas ligas onde existe grande preocupação de compliance e transparência, a prática é estabelecer uma série de cláusulas que envolvem a transação de atletas, tais como valores mínimos baseados em avaliação de consultorias independentes, bônus de desempenho baseados em indicadores de negócio dos clubes, e não somente minutagem ou participação em jogos, participação em vendas futuras, obrigatoriedade de avaliação regulares de desempenho do atleta e - também - cláusulas que visam proteger a competitividade impedindo ou limitando sua venda para concorrentes diretos ou campeonatos específicos", explicou Jorge Braga, ex-CEO do Botafogo.

A principal barreira que tem sido utilizada é a cláusula de preferência: o clube vendedor coloca no contrato que tem a prioridade em um retorno do atleta ao Brasil, mesmo que seja por empréstimo. Por exemplo: jogador X é vendido pelo clube A ao Y e, depois de alguns meses, a equipe Z faz uma oferta. O Y precisa comunicar ao A o valor da proposta e, caso o pagamento seja feito, o profissional retorna ao clube de origem. Isso ocorre mesmo se o Z e o Y façam parte de um mesmo grupo financeiro, ou seja, tenham o mesmo dono.

"Mas pode acontecer de o clube vendedor optar por receber uma indenização, e isso também pode ser colocado em contrato. Então você vendeu por 15 e aceita abrir mão da cláusula de preferência para receber mais 5 ou 10. Pode virar um bom negócio", disse o advogado Marcos Motta, especializado em direito desportivo.

Motta explicou outra barreira que tem sido usada com frequência: a cláusula de recompra. O clube vendedor pode estabelecer em contrato que terá prioridade para recomprar o jogador a qualquer momento, pagando um valor especificado no documento. É diferente da cláusula de preferência porque não está condicionada a uma oferta de rival, mas pode inibir que isso ocorra:

"Se tem essa cláusula e há uma proposta de outro clube, o jogador não pode ser vendido a não ser que o vendedor abra mão da cláusula de recompra, o que pode ser feito após recebimento de um valor, como se fosse a venda do direito da recompra, e que pode ser financeiramente vantajoso".

Uma terceira opção que tem sido utilizada é o bônus de fidelidade: o incentivo ao jogador para que fique no clube comprador por um determinado período de tempo. Isso faz com que, por exemplo, um atleta que tenha milhões a receber caso permaneça por 48 meses onde foi vendido tenha inibida uma transferência mesmo que seja dentro de uma MCO.

Conglomerados

MCO é o controle de múltiplos clubes por uma mesma pessoa, seja ela jurídica ou física. Em 2017, a Uefa (União Europeia de Futebol) contabilizava 26 clubes do continente como parte de conglomerados, número que saltou para 90 em 2021.

No Brasil a base da multipropriedade está sendo feita em cima das sociedades anônimas do futebol, as SAFs. Esses clubes se transformam em empresas e são comprados por grupos que injetam dinheiro para pagar dívidas e, claro, investir no futebol para obter retorno financeiro.

Hoje, os tradicionais Botafogo, Cruzeiro, Vasco e Bahia são controlados por donos e a tendência é que mais clubes estejam assim nos próximos meses. O Grupo City adquiriu o Bahia por mais de R$ 600 milhões e os brasileiros se juntaram a um portfólio que tem como carro-chefe o inglês Manchester City, mas também equipes nos EUA, México, Espanha, Austrália, Japão, Uruguai e Bolívia.

Um jogador de qualquer clube do Brasil, portanto, negociado com o Grupo City poderia atuar pelos times do conglomerado, incluindo o Bahia, um potencial adversário em competições como a Série A do Brasileiro e a Copa do Brasil. Por isso a preocupação com as cláusulas de barreira.

No passado, apesar de conglomerados ainda não estarem no horizonte, empresas faziam cogestão em mais de um clube e isso gerou contratações cruzadas. O principal exemplo foi o do lateral-direito Cafu, vendido pelo São Paulo em 1994 ao Zaragoza, da Espanha, com uma cláusula que proibia a negociação com outro time paulista.

O temor era que Cafu parasse no Palmeiras, então gerido pela multinacional de laticínios italiana Parmalat que despejava milhões no futebol palmeirense desde 1992. A estratégia da empresa foi contratá-lo, em 1995, pelo Juventude (RS), clube que também comandava. Cafu fez dois jogos em Caxias do Sul e depois foi repassado ao Palmeiras.