Inviabilidade financeira ameaça clubes de futebol, diz cientista político
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Alberto Carlos Almeida é cientista político e sociólogo. Nesses tempos nos quais o coronavírus assusta a humanidade, tem sido muito atuante em seus comentários sobre o combate à pandemia, as posições de governos municipais, estaduais e federal. Em entrevista ao blog, ele também falou sobre o momento atual e o futebol.
Você tem sido extremamente atuante na rede social no acompanhamento da pandemia de coronavírus e suas consequências. Como analisa as medidas tomadas aqui e no exterior?
O Brasil agiu de forma rápida, teve uma vantagem em prejuízo da Itália e da Europa em geral, porque o vírus assustou o Brasil com as notícias vindas de lá. Isso acendeu o alarme, chegou muito forte na mídia daqui. Essa crise acendeu uma luz amarela nas nossas autoridades e permitiu que fossem tomadas medidas em um ritmo bom. Comparando com outros países fomos rápidos. O negativo ê não ter todo o governo, todas as instâncias caminhando na mesma direção em função da postura do governo federal.
A Argentina tem folga no calendário do futebol e não tem campeonatos de províncias ou algo equivalente aos nossos estaduais. Isso será importante quando a bola puder rolar novamente. O que o governo Argentino faz de positivo na luta contra o coronavírus e o do Brasil não consegue fazer?
Alberto Fernández, o presidente, é considerado um peronista racional, que se reúne sistematicamente e anuncia as medidas coletivas ao lado do prefeito de Buenos Aires (Horacio Rodríguez Larreta), ligado a (Mauricio) Macri, opositor ao presidente; e o governador da província de Buenos Aires (Axel Kicillof), kirchnerista. Ou seja, nenhum dos dois é exatamente da corrente política do presidente, mas os três vão juntos anunciar as medidas e lideram as principais correntes políticas do país. Então, quando eles definem juntos que é preciso quarentena, que ela deve ser forte, agem conjuntamente. Aqui houve dissonância entre o presidente da República e prefeitos e governadores, seguem caminhos diferentes.
Quais?
O Bolsonaro tem uma rede organizada ao seu redor e nas redes sociais, o comércio o apoiou durante a campanha, desde os pequenos e médios comerciantes que estão ao lado dele e quando se pronuncia. Gera ruído de comunicação e lidera milhões de brasileiros em direção contraria a prefeitos e governadores. Ele solapa um pouco a legitimidade ao consenso em torno das medidas, que são as mesmas recomendadas no mundo inteiro. E isso pode ter consequências negativas. De imediato, o país gasta muita energia com isso, não com o combate à pandemia.
Sente a falta de estratégias para um segundo momento e os subsequentes?
Ainda vendo a Argentina. As primeiras medidas foram radicais, não se pode ir para casa de praia, por exemplo. Lá você só pode ir ao médico ou fazer compras, na Europa, França, Reino Unido pode sair desde que sozinho para fazer exercício físico, ajudar a alguém. Na Argentina foi mais radical e o presidente já disse que o segundo momento será de relaxamento na quarentena nos lugares onde isso, uma vez feito, não traga riscos à saúde da população com o congestionamento dos hospitais e das UTIs. Aos poucos farão a economia voltar a rodar, mas escolhendo lugares, primeiro os menos dinâmicos economicamente, de forma organizada, de maneira que a pandemia não volte com o retorno à rotina.
E o comportamento dos políticos na crise atual?
Eles estão ajudando bastante, tenho muitos contatos com governos e prefeituras, o SUS é muito forte, o Brasil tem uma tradição que vem de longe na saúde pública. E tem um acúmulo de conhecimento, com universidades, centros de pesquisa, centros de estudos. Todas as secretarias de saúde têm acúmulo grande de experiência prática no combate de epidemias. O Brasil enfrentou zica, dengue, chicungunha, ameaça do cólera entrando no país via Peru nos anos 1990... Isso tudo está dentro do setor público e foi parar nos gabinetes de prefeitos e governadores, que seguiram esses protocolos. E a população tem sido muito colaborativa, esse é um aspecto positivo. Isso não significa que vamos evitar o pior, o que acontece em Madri, no norte da Itália, mas saberemos.
E o presidente?
Ele é exceção, como o presidente do México (Andrés Manuel López Obrador), que convocou as pessoas a irem comer fora, para o comércio funcionar. Mas os governantes têm feito a mesma coisa, o próprio (Donald) Trump está tomando medidas para um futuro próximo, mas não para relaxar agora. Os que dizem isso são Bolsonaro e López Obrador, que estão indo contra a corrente, que se baseia em muito conhecimento. A China enfrentou isso assim com sucesso à frente de todo mundo.
Somente a política os faz agir assim?
Eles estão sob pressão, da comunidade científica, pressão internacional, dos eleitores... Como estudioso da política, digo que o primeiro direito do liberalismo, como escreveu Thomas Hobbes em "Leviatã", é o direito a vida. Estando vivo, vêm os direitos à propriedade, à liberdade... O que os governantes estão tentando assegurar é o direito à vida.
Como Bolsonaro estará ao final dessa crise?
Tem gente dizendo que se houver poucos casos (de coronavírus no Brasil), Bolsonaro dirá que teve razão. Se forem muitos, vai comparar com outras doenças que matam, mas não vejo como ele possa se sair bem. Tomo como base as enchentes nas cidades brasileiras. Não há obra ou limpeza de bueiro que evite catástrofes em certas enchentes, aquelas que são as maiores em 100 anos" etc. Mesmo assim, a culpa ê colocada no prefeito. Bolsonaro será apontado por todos os demais como responsável pela crise. É a minha visão do que acontecerá no futuro breve. Vão acontecer mortes, demissões, empobrecimento, isso não vai cair no colo de um governador ou prefeito, mas no do presidente da República. O discurso da Angela Merkel é um documento histórico, já o Reino Unido tomou medidas menos fortes e depois mudou para providencias mais fortes. Aprender com o próprio erro é obrigação, com os erros dos outros e sapiência. Bolsonaro não está tirando proveito disso.
O episódio do jogo Atalanta x Valencia foi chamado de "bomba biológica" pelo prefeito de Bergamo, afinal, perto de 45 mil pessoas saíram de lá para acompanhar a partida em Milão Os dirigentes são, muitas vezes, uma versão boleira dos políticos, isso quando não são, também, políticos. Como viu as medidas do futebol, com a CBF paralisando os torneios por ela organizados e deixando as Federações resolverem os Estaduais?
O Brasil e uma federação, então todo país grande em território e população tende a ser uma assim, como Brasil, Argentina, México, Estados Unidos, Rússia, Austrália, China, Índia... Aí é muito difícil centralizar tudo o tempo inteiro, as decisões são descentralizadas. É compreensível que isso ocorra no âmbito de federações esportivas. Mas me parece que as decisões foram fortes e rápidas para impedir que espalhasse a epidemia nos estádios, pela concentração de pessoas. E isso foi bom. O Brasil é um país, por enquanto, de um esporte só, o futebol, tem uma ramificação muito grande em toda a sociedade e a desativação dos campeonatos foi importante para sinalização à sociedade, assim como as escolas. A pessoa percebe quando diz: "Olha, tem algo grave acontecendo, não tem mais futebol nem aulas para crianças".
Nos bastidores, dirigentes se movimentaram imediatamente pela mudança de regulamento do campeonato brasileiro, o que gera a maior receita para sustentar os endividados clubes, pensando em eventuais ganhos esportivos. É possível traçar algum paralelo com os acontecimentos fora do esporte?
Sem dúvida podemos traçar um paralelo. No caso da política, rapidamente alguns se arvoraram em defender o adiamento das eleições municipais. Primeiro é preciso se preocupar com o problema atual, depois se pensa nisso. O mesmo vale para os times de futebol, ficar agora imaginando o formato de campeonato sem saber quando ele começará? Os times de futebol têm grande poder de congregar pessoas e fazer com que ajam coletivamente, poderiam, sim, ajudar, pois não existe crise financeira que impeça de ajudar no combate ao alastramento da doença pelo país, dando exemplo. São instituições que podem ser mobilizadas para ajudar as pessoas e é isso o que os dirigentes deveriam estar fazendo.
A expectativa é de muitas empresas quebrando, o que imagina que vá acontecer no futebol?
Empresa quebra, clube não, por que o torcedor estará sempre lá. Mas não há o que fazer. É uma crise de um vírus e como todo vírus ele sofre mutação. Vamos imaginar o oposto, que ninguém se preocupasse com nada e a vida fosse mantida. Será que ele não sofreria uma mutação, virando um vírus ainda pior? Tudo o que é feito visa minimizar prejuízos e riscos futuros. Por isso é inevitável que a economia seja atingida de maneira bruta e alguns clubes vão entrar nesse processo de inviabilização financeira. Mas não creio que deixem de existir, exceto alguns pequenos.
As imensas diferenças sociais que caracterizam o Brasil irão se acentuar após a pandemia?
E difícil dizer, o que acontece é que em situações de crise social aguda, como até aconteceu com o mercado financeiro, há uma redução da desigualdade, porque se reduz os recursos disponíveis para os ricos. Basicamente ê o que acontece, não sabemos se haverá a mesma trajetória. É o momento em que o dinheiro não pode comprar nada e isso já acontece com as bolsas de valores.
Os poucos clubes com dinheiro sairão com diferença, com vantagem, ainda maior sobre os endividados?
Os clubes vão entrar no mesmo esforço de socorro que deverá haver para setores inteiros da economia em uma situação de crise como essa. Pela primeira vez depois da segunda guerra mundial o calendário do futebol foi suspenso, ou seja, ê uma crise muito grave. Do ponto de vista da produção, muitos a veem como pior do que a crise de 1929. O governo é o único ente que pode emitir dinheiro, criar dinheiro, não haverá saída, e ele terá que fazer isso como ocorre em outros países.
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