Negacionismo em relação ao futebol mal jogado e lições dos 5 a 0 no Grêmio
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O futebol praticado no Brasil até 2019 era mal jogado. A afirmação deste jornalista no "Posse de Bola" de segunda-feira viralizou dois dias depois após o UOL Esporte destacá-la em uma de suas chamadas para o podcast pelas redes sociais. Teve gente que realmente não gostou.
Entre eles, os que não argumentam, ofendem diante de uma opinião diferente. Covardia? Sim. E mais até, uma natural identificação intelectual (?) entre o futebol tosco por aqui tantas vezes visto e a própria postura primitiva. O sujeito não reage com argumentos, mas com grunhidos que formam palavrões ao invés de palavras. Esses sequer conseguirão ler o que segue abaixo.
O tema em debate, na verdade, era o 7 a 1, como você pode ver no vídeo abaixo a partir dos 47:30 ou clicando aqui. A linha de raciocínio: a goleada humilhante imposta pelos alemães sobre a seleção brasileira vista como resultado de um futebol mal jogado no país, capitaneado por treinadores com ideias superadas, adeptos do resultadismo baseado em rejeição à bola, chutões e laterais arremessados na área inimiga. Paupérrimo.
Mas que dava resultado em território nacional em meio à mediocridade geral, salvo exceções, que, admito, claro, deveriam ter sido por mim citadas no "Posse de Bola". Casos do Santos de Neymar treinado por Dorival Júnior em 2010, do Corinthians de Tite em 2015, do Grêmio de Renato em 2017/2018 e do Athletico de Tiago Nunes em 2018/2019.
E ainda Fábio Carille com os corintianos em alguns cotejos do primeiro turno na Série A em 2017 e as melhores aparições sob comando de Marcelo Oliveira feitas pelo Cruzeiro em 2013/2014. Nessas equipes, vimos ao menos momentos de bom futebol em diferentes estilos.
Claro, o brasileiro é capaz, mas nem todos são. E tivemos algumas equipes que, sem títulos, se empenharam em praticar futebol jogado, mas ofuscadas pela proposta então predominante do estilo negacionista em relação ao próprio futebol. Algo na linha "para que ter a bola e trocar passes se posso fechar bem a defesa e explorar um lateral batido na área para vencer?"
Devo ter deixando escapar algum outro exemplo, mas eles são raros. Raríssimos. Muitos por aqui se acostumaram a aceitar esse jogo pobre, ainda mais quando, com alguns bons atletas, os técnicos-mais-do-mesmo conseguiam troféus. Defesa forte, bola entregue ao adversário e fé em um ou dois talentosos lá na frente, ou naquela jogadinha esperta de bola parada.
O sucesso do São Paulo três vezes brasileiro entre 2006 e 2008 tem enorme peso nessa tendência que ganhou corpo desde então. O jogo calçado basicamente na defesa fortíssima e na exploração do erro do oponente. Não foram poucos os treinadores que, depois daquele (merecido) tri, resolveram pegar esse atalho, daí surgiram algumas máximas que retratam bem isso tudo.
Incontáveis vezes tivemos que ouvir a tolice contraditória do "quero jogar mal e vencer". Como se não fazer da melhor maneira o próprio trabalho aproximasse alguém do êxito. É o inverso, quem joga bem fica mais próximo do objetivo, da vitória. Essa lógica ilógica contaminou parte da mídia esportiva e da torcida. Sim, aceitamos qualquer coisa, perdemos a referência.
Clicando aqui, você verá trecho de um jogo entre dois dos melhores elencos de 2016 num festival de bicos para o alto, algo inadmissível, mas não incomum nesses tempos. E um dos times era de Roger Machado, que deu início à mudança de estilo do Grêmio. Como explicar essa farra de bicudas? Em alguns momentos os jogadores pareciam mais do que adaptados àquilo.
Mas profissionais como ele e Fernando Diniz, quando claramente se empenharam tentando fazer seus times desejarem a bola, trabalha-la, não rejeitá-la, eram questionados se não venciam. Cobrados como retranqueiros jamais foram, mesmo rebaixados. Uma espécie de licença para jogar mal, algo como os fins justificando os meios, mesmo sem alcançar modestos objetivos.
Não podemos deixar de ressaltar nomes como Tite e Dorival Júnior. Eles se atualizaram, se repaginaram, se reciclaram e passaram a, com diferentes conceitos, levar às suas equipes propostas distintas, mas que se baseiam no jogar futebol, não no vencer a qualquer custo.
Renato Gaúcho Portaluppi também entra nessa lista ao reaparecer já no final de 2016, aprimorar o que herdara de Roger, técnico gremista quando desse gol espetacular (abaixo) que resume a proposta daquele time. De volta, o ídolo maior do clube ganhou a Copa do Brasil e abriu uma série vitoriosa
Mas em 2019 isso mudou pelas mãos de dois estrangeiros. Os Jorges Jesus e Sampaoli escancararam a obsolescência da maioria dos treinadores brasileiros, inclusive alguns dos chamados "medalhões". O nível subiu, o patamar agora é outro. E tem muita gente torcendo para que esse domínio dos gringos (já chegou por aqui o Eduardo Coudet, por exemplo) acabe. Não querem crescer com o intercâmbio.
As próprias ideias de Renato, que nos pareciam (e eram) excelentes (para o futebol jogado no país) entre 2017 e 2018, meses depois já se mostravam insuficientes. Sua equipe foi absolutamente dominada em Porto Alegre e humilhada no Maracanã nas semifinais da Libertadores.
Era outro patamar de futebol trazido por Jesus e seu elenco estelar, como demonstrado por Sampaoli, com grupo de jogadores mais modesto. É consenso no Grêmio de que para ser realmente competitivo, é preciso se aprimorar. O que era ótimo em 2018 deixou de ser, o futebol evolui, muda rapidamente e diante do atraso brasileiro, houve um salto no ano passado.
Algo que admitiu o próprio presidente Romildo Bolzan admitiu em entrevista ao blog: "Há certas horas em que é preciso um choque de motivação para sair da zona de conforto. O Grêmio fez uma avaliação geral e procurou motivar situações que eram necessárias", respondeu, quando perguntado sobre as providências posteriores aos 5 a 0 sofridos no Maracanã. Fez bem!
Por que, ao contrário do dirigente tricolor, essa turma não quer encarar os fatos? Pelo jeito desejam o futebol aqui jogado de volta às trevas, com chutões, rebatidas, dezenas de cruzamentos, laterais batidos na área adversária e nojo da bola. Assim, em baixíssimo nível, os "mestres" de outrora reaparecerão.
Para eles, que se dane o futebol. Querem apenas preservar o habitat ordinário de sua própria sobrevivência. Em meio a isso, torcedores negacionistas não admitem o que esteve por anos diante dos seus olhos e o que se viu de novo em 2019, tampouco clamam por seus times ousando jogar bola. Eles preferem ver a retrocesso, desejam maior equilíbrio na mediocridade, ou abaixo dela.
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