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Mauro Cezar Pereira

Flamengo arrisca na "canetada" de Bolsonaro. Mas deveria pensar no coletivo

Rodolfo Landim com Jair Bolsonaro - Reprodução/Instagram
Rodolfo Landim com Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução/Instagram

18/06/2020 16h21

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"Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo".

Em resumo, a Medida Provisória (MP) 984, assinada nesta quinta-feira por Jair Bolsonaro, define que os direitos de transmissão dos jogos de futebol passam a ser vendidos pelo mandante, sem a necessidade de concordância do visitante. No formato em vigor até agora, os dois clubes envolvidos em cada jogo precisavam aceitar para que uma peleja fosse exibida.

Por exemplo: se quiser, o Corinthians pode negociar com determinada emissora de TV uma, várias, todas as suas partidas em Itaquera. Ou mostrá-las na TV do clube pelo YouTube, se preferir. Os adversários nada poderão fazer para impedir e não embolsarão um centavo sequer. Mas quando os corintianos jogarem fora de casa, também não terão direito sobre nada.

Tal formato foi celebrado por dirigentes do Flamengo, que se aproximou da presidência da República e há tempos desejava sua adoção. Ele é ruim? Errado? Não. Na Europa é assim, o direito é do mandante. Contudo, nas ligas mais ricas do mundo, a transmissão em TV aberta, fechada, internet, via streaming, o que for, é negociada coletivamente.

A movimentação rubro-negra tem o individualismo como característica, numa jogada que pode custar caro. No mercado, ainda não se sabe ao certo os efeitos da MP, o que ela muda de imediato ou adiante. Departamentos jurídicos foram acionados imediatamente após a canetada do presidente da República e executivos do setor ainda tentam entender a real.

De qualquer forma, tal mudança terá forte impacto no mercado de direitos de transmissão dos jogos de futebol. Mas uma calculadora ajuda a entender que, ao defender tal formato, o clube carioca pode sair perdendo em faturamento, pois terá autonomia sobre quantidade menor de partidas. Já seus oponentes serão donos de 100% dos direitos ao receberem o Flamengo.

Peguemos como exemplo o Campeonato Brasileiro de 2019, pelo qual deverá levar cerca de R$ 180 milhões. Para que o Grupo Globo mostrasse todas as aparições de Bruno Henrique, Arrascaeta, Gabigol e Companhia, teve que obter autorização dos rubro-negros em 38 jogos. Com a MP, o campeão nacional só poderá negociar a metade, os seus 19 em casa.

Significa que se a Globo comprar os direitos dos demais integrantes da Série A, mostrará, caso queira, 19 partidas do Flamengo, ao vivo, para os Estados que bem entender. Sem nada pagar aos flamenguistas. É bem mais do que as 12 pelejas do atual campeão que a TV aberta exibiu no ano passado. Pode sair mais barato para a emissora, ainda mais com tantos clubes de pires na mão.

Claro, o Flamengo também negociará TV fechada, internet, pay-per-view... Mas conseguirá fazer o mesmo montante podendo autorizar a exibição de metade dos jogos sob os quais tinha direito? Somando as diferentes plataformas, cada partida precisaria gerar, em média, perto de R$ 9,5 milhões para chegar à casa dos R$ 180 milhões estimados pelo Brasileirão passado.

Existem outros pontos ainda misteriosos que merecem uma reflexão. O fato de outros clubes, mal financeiramente, poderem vender mais barato suas pelejas em casa frente aos rubro-negros reduzirá o valor de mercado dos jogos da equipe carioca no Maracanã? Não se sabe.

Os direitos de transmissão pertencentes integralmente ao mandante podem aproximar o futebol brasileiro do europeu. Isso se o modelo de venda seguir a negociação que carateriza, por exemplo, Premier League e La Liga, as duas que mais faturam. Nelas, os times mais poderosos ganham muito e os mais fracos não ganham pouco. Mas comercializam em bloco.

No formato atual, o Flamengo terá que se sair muito bem no mercado para arrecadar com os direitos de transmissão de suas partidas algo igual, ou superior, ao que vinha recebendo. Além de se preocupar com o alcance. Afinal, se elas não chegarem ao mesmo número de pessoas que habitualmente as assistem, os patrocinadores obviamente não irão gostar.

Hoje a liga portuguesa é uma raridade no futebol da Europa. Lá impera o cada-um-por-si. Isso faz com que os times negociem individualmente. Um exemplo? Os jogos do Benfica, um dos três grandes do país, só não ficam restritos à TV do clube, perdendo mais exposição, graças a um acordo com o grupo de comunicação NOS, que lhe valeu 400 milhões de euros por 10 anos.

O rival Porto não demorou a reagir, anunciando parceria com a MEO, concorrente da NOS: 457,5 milhões de euros pelo mesmo período. No entanto, além da transmissão dos jogos o pacote inclui patrocínio na camisa e exploração das placas de publicidade no estádio do Dragão. Esses contratos foram firmados há aproximadamente quatro anos.

Enquanto os dois gigantes fechavam acordo na casa dos 40 milhões de euros anuais e o Sporting faturava perto da metade disso, clubes menores da primeira divisão lusitana recebiam algo em torno de 2 milhões de euros a 5 milhões de euros por ano. Portugal apresenta a maior disparidade na distribuição das receitas pelos direitos de transmissão na Europa.

O resultado disso teve efeito contrário do ganha-ganha de outras ligas. Quando Benfica e Porto assinaram esses acordos, clube na primeira divisão portuguesa embolsavam, em média, 7 milhões de euros anuais pelas pelejas locais mostradas na TV. Na Inglaterra o valor já alcançava 145 milhões de euros. Quer um parâmetro mais adequado? Times da liga turca naquele momento já levavam até 16 milhões de euros/ano, em média.

Depois de se expor com a aproximação explícita do presidente a República no pior momento de seu governo, o alto-comando do Flamengo está feliz com a MP. Mas poderá errar perigosamente, caso pense apenas em si. Deveria, sim, liderar mudanças em meio aos riscos e possibilidades que a MP de Bolsonaro oferece. Para que, em bloco, os clubes negociem melhor, fiquem mais fortes, como uma Liga. Sem a CBF. Como fazem ingleses, espanhóis e tantos outros.

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