Mauro Cezar Pereira

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ReportagemEsporte

Landim revela estratégia do Fla para conseguir o terreno e erguer o estádio

Para financiamento de Operação Urbana na cidade do Rio de Janeiro, foi constituído FII (Fundo de Investimento Imobiliário) Porto Maravilha, cujo cotista é o FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que é um fundo de investimentos capitalizado com recursos do FGTS. Ele aplicou perto de R$ 5 bilhões na operação, financiou obras, como a demolição do viaduto da Perimetral e construção dos atuais túneis.

Em contrapartida, a prefeitura aportou propriedades imobiliárias na região e CPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção). O planejamento previa a rentabilização desses ativos, mas a conjuntura econômica desfavorável o frustrou. O FII Porto Maravilha deveria remunerar seu cotista, o FI-FGTS, mas isso não ocorreu e os prejuízos acumulados somam R$ 4,2 bilhões. O patrimônio líquido do fundo hoje é "apenas" R$ 730 milhões.

É esse Fundo que detém o controle do terreno no Gasômetro, onde o Flamengo pretende erguer seu estádio. E, com a Caixa Econômica Federal, o clube deverá iniciar, nas próximas semanas, conversas mais objetivas na tentativa de conseguir a área e dar os primeiros passos concretos para transformar o projeto em realidade.

O blog procurou Rodolfo Landim, que aceitou conversar sobre o assunto. Abaixo o resultado de uma hora e 16 minutos de entrevista por telefone com o presidente do Flamengo.

Qual a estratégia do Flamengo para conseguir o terreno do Gasômetro?
Não é simples, esse terreno faz parte de uma série de outros que foram comprados pela prefeitura ao governo federal. Na época, o Eduardo Paes (prefeito da cidade do Rio de Janeiro) precisava de recursos para fazer o Porto Maravilha e adquiriu esses terrenos, vendendo para um fundo que é o FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O volume de recursos que a prefeitura precisava era muito maior, em torno de R$ 4,5 bilhões e os terrenos não geravam todo esse valor.

Aí entrou a prefeitura...
Então o prefeito encaminhou para a câmara dos vereadores uma mudança permitindo até 50 pavimentos nos terrenos, que automaticamente foram valorizados. O direito de construção de novos pavimentos chamaram de CPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção). A ideia era fazer no Rio de Janeiro o que aconteceu em Barcelona, por exemplo, onde a região portuária virou área nobre após as Olimpíadas de 1992. Mas aqui isso não foi adiante como se esperava e não houve retorno econômico. Essa é a situação do local onde está o terreno que o Flamengo deseja.

O fato de o terreno não ser de um fundo de pensão, mas de um fundo de investimento que vem dando prejuízo, torna a compra mais viável?
Eu não sei, o fundo de pensão tem como o objetivo receita recorrente a médio e longo prazos, com rentabilidade maior do que o crescimento do fundo. Na realidade, o dinheiro é para pagar pensão. Busca ter a receita crescendo anualmente e honrando compromissos com os futuros aposentados. E o Fundo do FGTS não foge muito disso, é como se fosse um fundo de pensão público. O dinheiro tem que render para pagar quem é demitido e se aposenta, enfim.

O FI-FGTS aplicou algo em torno de R$ 5 bilhões no Porto Maravilha, mas os prejuízos atingem R$ 4,2 bilhões e o patrimônio líquido do fundo despencou para R$ 730 milhões. Em suma, para o fundo vender o terreno pode ser uma necessidade. O Flamengo vai explorar isso?
Exatamente. Se eles tinham um plano de negócio, estão valorando os ativos aportados por algo muito menor, pois ninguém consegue mostrar a eles um projeto que traga o retorno que esperavam. Isso pode ser um argumento para que o Flamengo traga um projeto novo, saindo um novo valuation (análise do valor de um ativo) para aquela área, no mínimo reduzindo o enorme prejuízo.

E o papel da Caixa Econômica Federal nesse contexto?
Toda e qualquer decisão com relação a isso não passa apenas pela Caixa. Esse fundo da Caixa contratou um assistente técnico independente para emitir pareceres sobre todas as decisões que venham a tomar, para que elas tenham suporte. E no caso desse projeto a Vinci Partners é quem faz esse papel. Então há um complicador, não é preciso convencer apenas os gestores que tomam as decisões na Caixa, mas passar pelo crivo da Vinci Partners.

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O Flamengo vem conversando com a Caixa?
No final do governo passado (Jair Bolsonaro), nos aproximamos do pessoal da Caixa, a então presidente era uma pessoa que eu conhecia (Daniella Marques), então tentei conversar com ela em Brasília, mas a abordagem inicial era pedindo o estudo de viabilidade técnica e econômica do Flamengo para ser um parceiro.

E o clube aprova essa ideia?
Não. Isso drenaria o dinheiro do Flamengo. Isso está descartado desde o governo passado.

E qual a ideia do Flamengo?
A minha tese é a seguinte: existem inúmeros terrenos ali. Se o clube tiver um deles, valorizaria os demais que estão eu volta, seria a chance de fazer decolar a região, com o surgimento de todo um complexo comercial, shopping, hotéis, etc. Foi esse o argumento que comecei a utilizar nas conversas com o pessoal da Vinci Partners. Mas eles estão ali querendo maximizar o retorno e isso o Flamengo não deseja.

E o próximo passo?
Houve a mudança de governo e não havia alguém já efetivado à frente da Caixa. Esperamos então a mudança do grupo de gestão, o novo presidente da Caixa (Carlos Antônio Vieira Fernandes) foi empossado (dia 9 de novembro), fui à posse e estamos tentando uma reunião com ele para a semana que vem. Existe uma previsão de troca dos vice-presidentes da Caixa, então poderemos aprofundar as conversas, utilizando a tese do Flamengo, que é real.

Poderia explicar melhor a tese?
Quando o Walmart (rede de hipermercados dos Estados Unidos) começou, se colocava em cruzamentos de estradas para ter grande movimento. Então notou que ao redor dele sempre crescia um complexo comercial, e começou a buscar incorporadoras e sugerir que montassem o complexo comercial no local, mas dessem ao Walmart o espaço para se instalar. O Flamengo tem um potencial enorme e precisa convencer essas pessoas que ter o estádio do clube em um terreno vai fazer com que saiam ganhando. Óbvio que estamos elaborando estudos para convencê-los disso. Assim, poderemos reduzir o custo do terreno.

E as CPACs?
Como os CPACs estavam atrelados ao terreno, conversamos com o prefeito Eduardo Paes, que se comprometeu a transferir esse potencial construtivo para outras áreas de São Cristóvão. Isso demonstra que o potencial construtivo não seria perdido, e poderíamos erguer o estádio sem comprar esses CPACs.

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Complexo...
Envolve vários atores, prefeitura, Caixa, Estado, para licenciamento ambiental... A área já foi Gasômetro e havia grandes tanques de nafta no local, não era o gás metano e etano, o gás natural, mas gaseificado ali. Podem existir resíduos de hidrocarboneto no solo.

O Flamengo já fez uma análise?
Sim, sabemos que aquilo ali é de argila orgânica, a fundação vai custar muito mais caro do que em uma construção normal. Todo o terreno que é fundo de baía tem argila orgânica, isso exige mais do estaqueamento. Mas nada que seja impeditivo.

E a opção pelo local?
Independentemente de qualquer coisa, o ideal é fazer ali, porque a logística é muito importante. Fui presidente da Petrobras Distribuidora e o que dizíamos lá era que a coisa mais importante para um posto de combustível era o ponto. A segunda, o ponto. E a terceira também o ponto. Fizemos um estudo das pessoas que frequentam o Maracanã e de onde elas vêm, já existe um hábito muito grande de irem ao local. Nosso compromisso é ter o estádio sempre cheio e por isso pesquisamos em todos os jogos para saber o preço de ingresso adequado a cada partida, mas sem colocar um preço falso que possibilite a ação do cambista. Queremos sempre o estádio cheio. Para ter o público do Maracanã no Engenhão, por exemplo, eu preciso reduzir o custo do ingresso em 50%.

E no Gasômetro não?
Ali teremos o Terminal Gentileza, ponto final de todos os BRT (Bus Rapid Transit, um sistema de transporte coletivo do Rio de Janeiro), rodoviária bem em frente, além do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, que interliga a região portuária ao centro financeiro da cidade e ao aeroporto Santos Dumont), que vem da cidade e chegará ao mesmo terminal. E para quem vem de metrô e trem, estaria a uma distância que a pessoa aceita andar até chegar ao estádio, pouco mais de um quilômetro. Tem muito terreno para o lado da Barra da Tijuca e outras regiões, mas com acesso difícil. Se não tivéssemos essa opção, iríamos atrás de outra, mas ela existe e ainda cabe ali um estádio.

Então o Flamengo não exploraria o entorno...
O Flamengo não terá esse entorno, mas naturalmente os donos dos terrenos vizinhos vão receber visitas de incorporadores que irão se interessar. Não seria o clube a se beneficiar dessa forma, mas os que vão explorar o entorno. Nos vendem por um preço mais baixo em troca do desenvolvimento e valorização do entorno. Preços inferiores, não de graça. Esse é o grande atrativo que eu vou mostrar ao FI-FGTS para que nos vendam. Hoje há um círculo vicioso, está parado lá e sem vender, quero criar um círculo virtuoso. Fizemos isso no futebol, com um orçamento maior e times mais fortes, ganhando mais e arrecadando mais, retroalimentando o processo de crescimento dobramos o orçamento do Flamengo.

E com relação a outros eventos de porte?
Será um estádio somente para futebol, com gramado natural. Se quiserem fazer shows, façam no Maracanã depois que acabar a temporada. No estádio, sim, teremos museu, restaurante, loja lá dentro...

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Quanto valeria o terreno?
Pode até chegar a um valor negativo, tamanho o potencial que o Flamengo possui. O terreno em si, pois os CEPACs podem ser transferidos para outras áreas. Queremos demonstrar que tem retorno, mas o valor será uma queda de braço. Numa negociação só há acordo se o valor mínimo de quem aceita vender for menor do que o máximo do que outro está disposto a pagar. Para isso precisamos de um estudo bem fundamentado que está em andamento. Só não quero que sejam sócios, o terreno e o estádio serão do Flamengo.

O clube ergueria o estádio com recursos próprios?
Já viajei pelo mundo para entender como alguns estádios foram feitos e o processo desenvolvido. Conseguimos reduzir muito o endividamento do Flamengo. Quando cheguei ao clube, em 2013, deu vontade de sair correndo, com mais de R$ 750 milhões de dívida e prejuízo operacional. Eram R$ 212 milhões de receita que não cobria as despesas, então não existia margem para reduzir o endividamento. Hoje o Flamengo dá lucro operacional de R$ 370 milhões e a dívida é de aproximadamente R$ 200 milhões. Fomos de R$ 212 milhões para R$ 1,3 bilhão de receita anual. É outro clube, totalmente diferente. Hoje ele consegue ótimas linhas de crédito, com CDI + 2%.

Mas qual seria o porte desse endividamento?
Não quero endividar. O estádio do Corinthians obteve R$ 300 milhões pelo naming rights, o mesmo ocorreu no Palmeiras. Fui ao estádio do Bayern e basicamente eles se transformaram numa SAF para ter o estádio, vendendo 24,9% da parte do futebol. Na lei alemã, se os sócios minoritários têm menos de 25%, não decidem nada. Esse foi o projeto com a Allianz comprando naming rights, a Adidas ampliando o contrato com o clube em longuíssimo prazo e dando uma espécie de luvas, e a Audi, que lança todos os seus carros no Bayern (cada um dos três ficou com 8,3%, totalizando 24,9%). Portanto existem formas de levantar recursos, buscaremos parceiros comerciais de longo prazo num eventual financiamento, reduzindo o endividamento ao máximo. No Maracanã, você começa sem 5 mil ingressos de cadeiras cativas, e ainda existem as cota do governo e seus camarotes etc. Isso drena recursos do Flamengo.

E com relação aos setores?
A ideia é ter uma área para o torcedor raiz, que vai aos jogos, com preço estabelecido pela frequência. Com o reconhecimento facial não tem como passar para outra pessoa. Então se ele é frequente nessa área, passa a ter o ingresso mais barato em parte do estádio. A grande receita virá de camarotes, de empresas, de quem estará disposto a pagar dez vezes mais do que o torcedor comum, com lounges onde possam levar o pessoal deles, etc.

Quanto entraria de dinheiro com a SAF parcial?
Flamengo tem R$ 370 milhões de EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização), isso significa o lucro líquido operacional do clube. Como é normalmente avaliada uma empresa? Você faz uma previsão do que vai ganhar no futuro, ou múltiplo do EBITDA, descontando a dívida. Não é demais achar que o Flamengo vale 1 bilhão de dólares. Se vender 25%, seria mais de R$ 1,2 bilhão.

Mas seria uma obra de anos...
Para tudo isso funcionar será preciso mudar a governança no Flamengo para que não apareça alguém que destrua esse caminho. O Flamengo está estruturado, mas alguém pode quebrar o clube em três meses, a governança do Flamengo é super presidencialista e os poderes que o presidente tem são enormes. Se eu amanhã quiser contratar o Neymar, lanço uma dívida de R$ 1,25 bilhão e ponto. Por isso sou contra fazer do sócio torcedor um eleitor. Alguém lançaria uma plataforma de promessas malucas e quebraria o Flamengo. Ficaria mais fácil emplacar um discurso populista. Eu poderia fazer uma graça em 2024, meu último ano de mandato, e deixar um buraco para quem vai ficar no meu lugar. Poderia...

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E se o Flamengo conquistar a concessão do Maracanã por 20 anos? Em algum momento teria ele e seu próprio estádio por muito tempo, como administrar tudo isso?
Aí sim poderíamos usar o Maracanã para shows, repassar para alguém, o Fluminense seguiria jogando lá... Esse seria um problema bom para resolver e a própria CBF precisa de um estádio. Os grandes jogos ela sempre quis colocar no Maracanã, que seria como é em Wembley. Sabemos administrar estádio. Chegamos lá e tinham 28% das lâmpadas que acendiam, vasos quebrados, não funcionava a estação de tratamento de esgoto. Hoje, tudo lá funciona.

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