Landim compara sócio torcedor a quem bebe Coca e admite: quer seguir no Fla
A recente entrevista com o presidente do Flamengo neste blog teve enorme repercussão. Há cerca de duas semanas, Rodolfo Landim voltou a defender a SAF parcial do futebol rubro-negro em contato com os conselheiros do clube, tema que provocou debates após a publicação, em 17 de novembro.
Nesse encontro, o mandatário rubro-negro disse que o Flamengo é dos sócios. A frase irritou torcedores que não pertencem ao quadro associativo da agremiação, mas são Sócios Torcedores ou simplesmente flamenguistas, responsáveis pelo gigantismo do clube e seu enorme potencial, que gera faturamento bilionário.
Entramos novamente em contato com Landim para nos aprofundarmos nos temas. Na entrevista, feita por vídeo conferência no dia 29 de novembro e complementada por WhatsApp, o presidente insistiu na SAF como melhor caminho para viabilizar o estádio no Gasômetro (local prioritário para o clube). E deixou claro que não vê os milhões de rubro-negros pelo mundo como "donos" do Flamengo, mas sim, clientes, como quem frequentemente bebe Coca-Cola.
Por que não aceitar uma parceria na construção do estádio, que vai surgir do zero, o parceiro estaria começando desde o início ao lado do Flamengo, e desejar vender, como SAF, parte de algo maior, o futebol do clube, que ainda tem muito a se valorizar?
Nenhum clube de futebol dá lucro, alguém tem participação porque dá outros benefícios ao parceiro. A Allianz ganhou o naming rights do estádio de Munique, a Adidas se associou ainda mais ao maior clube da Alemanha, a Audi também. Quando perguntei ao pessoal do Bayern quanto essas empresas ganham de dinheiro com isso, responderam que o arrecadado é investido no time. O clube não distribui dividendos e o Flamengo não teria esse objetivo, mas sim reinvestir no time para ser campeão. O Bayern deu 4,8 milhões de euros de lucro no ano. Pouco, não se associa a um clube para obter esse tipo de resultado.
Se a SAF não gera lucros financeiros, qual o objetivo?
Participação estratégica. Já no estádio o parceiro vai querer dividir o resultado financeiro, a bilheteria, o que for arrecadado. Eu rejeitei essa ideia sugerida pela Caixa (Econômica Federal) no governo passado. O controle ficaria com o Flamengo. Endividar o clube para fazer um estádio? Sou contra, porque é possível erguê-lo sem criar dívida e sem perder o controle. Há clubes que perderam capacidade de investimento porque têm de pagar estádio. Seria um modelo diferente dos que existem no Brasil. Não entregaria o futebol ao investidor. E isso é, por enquanto, uma discussão, um debate que se abre para os sócios do Flamengo, pois o Conselho Deliberativo é que vai definir.
Bancos e grandes montadoras, por exemplo, não costumam patrocinar times de futebol no Brasil. Haveria empresas interessadas nesse tipo de parceria, já se estudou isso?
O estádio do Corinthians conseguiu naming rights, o Palmeiras também. Se pegar o Flamengo, o local onde queremos construir o estádio... O avião chega ao Rio no (aeroporto) Santos Dumont e da janela você vê o estádio com o letreiro em cima. Um cartão postal. Acredito em participação de empresas, bancos. Fundos de investimentos estrangeiros teriam interesse. Seria muito grande a abertura que qualquer potencial sócio do Flamengo teria. Mas é um teste, uma tentativa de levantar recursos sem endividar o clube. Aproveitar a solidez do nosso balanço para buscar uma chamada de capital que nos dê possibilidade de construir um estádio sem endividar o Flamengo. E é uma possibilidade.
E se os sócios rejeitarem, qual plano B?
Haveria alternativas. Naming rights, dinheiro que temos em caixa, venda de apartamentos do Morro da Viúva (antiga propriedade do Flamengo na zona sul do Rio de Janeiro), vender os direitos de transmissão, como os clubes da Liga Forte fizeram pelos próximos 50 anos, algo do que sou contra. Tem várias maneiras de financiar o estádio, mas defendo fazer o que em nada afetaria minha receita futura, o estádio só poderia afetar positivamente e sem endividar o clube. Não necessariamente teria que fazer a SAF.
O Vasco, clube, detém 30% de seu futebol, a companhia americana 777 Partners comprou 70%. Ela manda no futebol vascaíno. Digamos que o Flamengo venda 25%. Quem estiver no poder coloca como condição indicar o CEO, mantendo o controle? Depois a gestão tenta vender mais 25% e mais... Até onde iria? O que asseguraria que a SAF negociaria apenas um percentual menor do futebol do Flamengo? O que protegeria essa condição?
A própria reunião do conselho. Seja 20%, 25% ou 70% como o Vasco. Botafogo e Cruzeiro com cerca de 90%. E o conselho do Flamengo não vai aprovar uma venda majoritária. Esse conselho é formado por 2,5 mil pessoas que podem votar. É um colégio amplo, grande em relação a outros clubes. Todos os contratos do Flamengo acima de R$ 6 milhões, fora contratação de jogadores, passam por esse Conselho Deliberativo.
O senhor, como presidente, se compromete a defender uma venda de percentual menor que não tire o controle do futebol do clube?
Essa é minha posição, sempre defendi isso. O Flamengo não precisa vender o controle do clube e trabalho todo dia para isso. Sempre serei contra, mas o clube não é meu, se alguém propuser isso e aprovarem, serei contra. Só não posso garantir que isso não vá acontecer.
E por que não concorda com a venda de mais títulos de sócios?
A oposição reclama que o clube não emite títulos de sócios proprietários. Um título custaria cerca de R$ 20 mil. Os benefícios seriam votar para presidente e frequentar o clube social. Mas na prática vale muito mais, porque ele é sócio de um clube que dá R$ 350 milhões de EBITDA (lucro antes dos descontos com impostos, juros, amortização e depreciação) por ano. Se eu emito mais sete mil títulos por R$ 20 mil, seriam cerca de R$ 140 milhões, mas acho que o Flamengo vale R$ 5 bilhões. Só faria se fosse louco, irresponsável.
"O Flamengo não é nem meu nem seu, o Flamengo é de todos nós que somos sócios proprietários do clube". O senhor disse essa frase aos conselheiros recentemente. O Flamengo não é da torcida, que é a responsável pelo faturamento bilionário do clube?
Para mim é muito claro. Quando você tem uma instituição, uma empresa, o mais importante que ela tem é o cliente. O que e mais importante para a Coca-Cola? Os clientes que tomam Coca-Cola, são viciados em Coca-Cola. E para sobreviver ela precisa encantar seu cliente. Para mim o torcedor do Flamengo é o que de mais importante o clube tem. Temos que encantar o cliente, que é o torcedor do Flamengo. É isso o que o clube tem que fazer.
Então o senhor não vê o torcedor como dono, embora sua existência gere a arrecadação superior a R$ 1,2 bilhão por ano, algo muito distante do que o clube social fatura...
Dono da empresa é aquele que tem poder de decisão. Eu poderia dizer que o Flamengo é do seus torcedores, mas seria uma retórica de político. O Botafogo é do (John) Textor. Se ele quiser vender o time inteiro, ele vende. A verdade é que o Flamengo é de seus sócios, que são os gestores do clube. Mas isso não significa que eu dê menos valor à torcida. A empresa tem que trabalhar com os clientes. Não estou dizendo que o torcedor não é importante, ele é o mais importante.
Então o sócio é o dono e o torcedor o cliente?
Na prática é isso. E é bom que se entenda que uma instituição só sobrevive quando tem os clientes querendo consumir seus produtos, como em qualquer companhia. Não farei discursos demagógicos, não sou demagogo, sou prático.
Na entrevista anterior o senhor disse ser contra fazer do sócio torcedor um eleitor, pois alguém poderia lançar uma plataforma de promessas e quebraria o Flamengo. E ficaria mais fácil emplacar um discurso populista. Mas os sócios que hoje votam também podem eleger um populista, tanto que já colocaram no poder presidentes que levaram o clube a uma situação desesperadora, endividado, sem perspectivas.
O sócio proprietário tem um ativo que é um título do Flamengo. Ele precisa pensar mais antes de tomar uma decisão. Se as pessoas quiserem participar do processo, devem se associar. Não acho correto a pessoa participar da decisão sem colocar nada em risco. Então, seja sócio real do Flamengo, mas correndo o risco de perder seu patrimônio. É melhor se eu, sócio, tiver meu patrimônio em risco.
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Quero receberEntão na sua visão o Sócio Torcedor não faz investimento compatível com o direito a voto?
Nem todo tomador de Coca-Cola decidirá o futuro da Coca-Cola. O Sócio Torcedor não faz investimento para isso, ele foi criado com outro objetivo, ter desconto em ingressos, prioridade na compra etc.
Mas como tornar-se associado se o clube não abre venda de novos títulos de sócios proprietários?
Toda mercadoria tem valor de mercado, lei da oferta e da procura. Se a pessoa aparecer com dinheiro vai comprar.
Mas o senhor admite que o sócio pode cometer o mesmo erro?
Sim, mas vai comprometer o patrimônio dele, colocando-o em risco.
O senhor teria uma função, um cargo na SAF do Flamengo?
As regras de governança é que definiriam. Mas com o controle sendo do Flamengo, seria uma decisão do Conselho Diretor, com grande participação e poder decisório do presidente eleito. No Bayern, alguns executivos da SAF acumulam as mesmas funções como executivos da associação desportiva. A rigor, isso já ocorre no Flamengo no caso do Maracanã, o senhor Severiano (Braga) foi apontado pelo Flamengo como gestor da futura empresa que estamos criando com o Fluminense para gerir o Maracanã em caso de vitória na licitação.
É possível que o senhor tenha uma função nessa SAF?
Dependerá das regras de governança. Os sócios do Flamengo podem preferir que o presidente acumule o cargo e presida a SAF. Ou que ele ajude a apontar, por exemplo, um profissional selecionado no mercado para a função. A decisão seria dos sócios.
O senhor deseja seguir servindo ao Flamengo após seu mandato?
Esses últimos quase cinco anos da minha vida foram de dedicação quase integral ao clube. Estaria mentindo para você se dissesse que após o término do meu mandato, no final do próximo ano, consideraria que a minha missão de ajudar o Flamengo estaria terminada e que não me importaria mais com o que viesse a acontecer ao clube. O Flamengo para mim é como um filho. O amor que sentimos nos faz não apenas desejar sempre o melhor para eles como nos colocar sempre a postos para ajudar no limite de nossa capacidade e disponibilidade.
Opinião do blog: o futebol do Flamengo é a mola propulsora do faturamento bilionário do clube. Se hoje as cifras superam R$ 1,2 bilhão por ano, é graças à modalidade, graças às dezenas de milhões de pessoas que sofrem e torcem pela camisa rubro-negra e se espalham por todos os cantos do país e até no exterior.
Restringir decisões sobre o Flamengo, as votações de temas relevantes a um colégio eleitoral de alguns poucos milhares é o mesmo que excluir a absoluta maioria dessas definições. Na visão de Rodolfo Landim a chamada "Nação" serve para turbinar as finanças rubro-negras, mas não tem capacidade de escolha.
Sim, os torcedores e sócios torcedores podem votar mal, já os sócios do clube já votaram mal, têm esse passado. Não por acaso a dívida era absurda quando o grupo do qual o atual presidente faz parte assumiu a gestão do Flamengo em 2013. O buraco era reflexo de péssimas gestões, com direito a impeachment de ex-presidente,
Comparar torcedores a consumidores de um produto como a Coca-Cola é conveniente distorção. Torcedor não muda de time, mas consumidor abre mão de um produto que não o satisfaz mais. Se o refrigerante mudar o sabor para a pior, o sujeito para de comprá-lo, de bebê-lo. Times ruins não fazem alguém mudar de time.
A SAF do Flamengo faria sentido se o clube tivesse batido no teto de seu faturamento. Mas o próprio Landim, ao dizer que o clube vale R$ 5 bilhões, atesta que há muito a crescer. Imagine que você tenha um terreno próximo a uma futura estação de metrô. Obviamente ele vai se valorizar em breve. Você o venderia antes ou depois da valorização?
Hoje o Flamengo já tem custos elevados com o Maracanã. E um parceiro na gestão, o Fluminense. Por que não poderia dividir parte das receitas do estádio por alguns anos se esses parceiros ajudassem a erguer o futuro estádio? E com o Conselho Deliberativo controlado por quem está no poder, ninguém poderá assegurar que não haverá venda de percentual superior a 50% do futebol rubro-negro em forma de SAF.
Vejamos se no Conselho esses e outros tantos argumentos sejam apresentados para contrapor as argumentações que vêm sendo defendidas por Rodolfo Landim.
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