Sem dinheiro e com dívidas, clubes criam teses para tentar justificar erros
No futebol, há uma relação direta, mas não absoluta, entre investir em jogadores talentosos e conquistar títulos. Entre todos os esportes coletivos, é um dos mais imprevisíveis. Sua história é repleta de exemplos de times fracos vencendo equipes muito mais fortes.
Além de tornar o futebol um esporte fascinante, a imprevisibilidade alimenta sonhos e desafia a lógica de investir recursos financeiros, frequentemente escassos em jogadores com a expectativa de que, ao conquistar títulos, os prêmios cubram os investimentos nos atletas.
A maioria dos clubes da primeira divisão no Brasil disputa três torneios: um de pontos corridos, o Brasileirão, e dois torneios com fases eliminatórias, a Copa do Brasil, a Libertadores ou a Copa Sul-Americana, dependendo do desempenho no ano anterior.
O Brasileirão, com suas 38 rodadas, permite que qualquer equipe planeje seu elenco. As receitas provenientes de bilheterias e televisão são previsíveis, e um erro individual em um jogo específico não causará uma perda de receita significativa. Mesmo que um time caia uma posição na classificação, a diminuição na receita será pequena.
Por outro lado, um jogo ruim ou uma falha individual que leve à desclassificação nas oitavas de final da Copa Libertadores causará considerável queda de receita.
Isso ocorre não apenas devido à perda de premiação, mas também na arrecadação de bilheteria, nas cotas de publicidade, nos prêmios dos patrocinadores e nos direitos de transmissão.
Não é necessário aprofundar-se na análise financeira para compreender os conceitos e as decisões relacionadas ao uso dos recursos financeiros de um clube.
Por um lado, há a possibilidade de investir pesadamente em jogadores caros para formar uma equipe capaz de vencer títulos, obter premiações e aumentar as receitas e assim cobrir os investimentos.
Por outro lado, há uma outra opção: ser seletivo nas contratações, montar um elenco forte, porém mais barato, e estabelecer uma meta viável no campeonato mais previsível, o Brasileirão.
A primeira opção é muito arriscada, considerando a imprevisibilidade do futebol e dos torneios com fases eliminatórias. O fracasso nessa abordagem terá impacto não apenas no ano corrente, mas também nos seguintes, pois é provável que a situação financeira do clube piore se as metas não forem alcançadas.
Os contratos no mundo do futebol frequentemente têm duração de alguns anos, então o peso de uma análise financeira otimista pode se prolongar por várias temporadas.
A segunda abordagem é mais dura e difícil de der vendida entre torcedores. Ela exige um processo de comunicação claro e persuasivo. Torcedores têm sido alimentados por discursos vazios sobre grandezas passadas, mas financeiramente impossíveis de alcançar atualmente.
Eles terão dificuldade de aceitar outra opção. Portanto, convencê-los de que não será possível alcançar a grandeza a curto prazo é impopular.
Outro problema associado a escolha dessa opção são os ciclos eleitorais no clube. A opção de gastos modesto as raras conquistas de títulos e o prazo de alguns anos para obter a estabilidade financeira e competitividade pode afetar a disputa eleitoral dos clubes.
De fato, o cenário atual é diferente daquele em que o Flamengo estava em 2012. Hoje, há uma relação maior entre desempenho e premiação, mas esse não é o ponto principal.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberA busca pela estabilidade, contando apenas com o sucesso esportivo, como vem sendo justificado por diretores financeiros, baseia-se em uma lógica que não se aplica, pois, sabemos, o futebol é imprevisível.
Se uma empresa está à beira da falência e se mantém ativa apenas devido a isenções fiscais, relacionamentos com credores e regras operacionais próprias, deveria fazer A opção de menor risco, embora ela não seja popular.
Mesmo que um clube tenha optado pela abordagem de maior risco e no final de 2024 tenha conquistado títulos, essa não terá sido a decisão correta devido ao tamanho do risco envolvido.
Na temporada seguinte, para manter a estabilidade, é necessário conquistar títulos novamente, e como grande parte da premiação vem de torneios eliminatórios, o risco continuará alto.
Existem outros dois grandes riscos: a falta de fair play financeiro e as SAFs (Sociedades Anônimas de Futebol). Ambos podem gerar competidores inesperados, temporariamente ricos, que montem times muito fortes e inviabilizem o alcance das metas de premiação.
Não é preciso ser um especialista em finanças para entender os riscos, e fica claro que a opção de menor risco é aquela que os clubes próximos da insolvência deveriam escolher. O verbo "cruzeirar" não é à toa parte do léxico brasileiro.
* professor da faculdade de arquitetura da universidade de Victoria em Wellington na Nova Zelândia - Phd e Mestrado em arquitetura - Pós Graduado em Real Estate Marketing pela universidade de British Columbia no Canada e líder da pesquisa internacional sobre estádio de futebol Stadia.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.