Mauro Cezar Pereira

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Entenda porque R$ 138 milhões pagos pelo Fla é valor justo pelo terreno

por Fabrício Chicca*

O Flamengo arrematou o terreno do Gasômetro por R$ 138.195.000,00. Seria esse o valor correto e justo? Primeiro, é preciso entender que a propriedade de 86.592,30 m² foi avaliada em R$ 166.500.000 referente ao domínio pleno. Como se trata de terreno de marinha, considera-se como pagamento o valor do domínio útil. Isso corresponde a 83% do valor do terreno, ou seja, R$ 138.195.000, conforme mostrado na imagem abaixo, retirada da página 54 do edital do leilão de julho de 2024. É importante compreender a diferença entre domínio útil e domínio pleno (100% do terreno). E para discutir se o preço pago pelo Flamengo foi justo, é necessário considerar a desapropriação do terminal Gentileza.

Documento terreno Flamengo
Documento terreno Flamengo Imagem: Reprodução

Em 2022, a prefeitura desapropriou parte do terreno do Gasômetro para essa construção. Antes, contratou uma avaliação do terreno. Como a desapropriação seria de apenas parte dele, a boa prática de avaliação determina que a propriedade inteira seja avaliada, seguida pela avaliação que sobraria da desapropriação (este onde será erguido o estádio). A diferença entre os números é o valor avaliado para o preço do terreno do terminal. Portanto, há uma base de preço sólida para o terreno do estádio. O resultado dessa avaliação fez com que a prefeitura pagasse pelo domínio útil do terreno - R$ 941/m².

Do outro lado, o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, através de uma pesquisa da FIPE, chegou ao valor de R$ 1793/m² para o domínio útil. O caso foi levado à justiça, que contratou uma perícia judicial que indicou o valor de R$ 1369/m². A prefeitura, que já havia pago considerando a sua avaliação, complementou o valor, ou seja, pagou aquilo que a perícia tinha determinado. Voltemos para 2024. Os valores de R$ 250 milhões que são ventilados como desejo do Fundo referem-se ao valor do terreno apresentado no demonstrativo financeiro de 2023. Nesse documento (abaixo), segundo o estudo elaborado pela FIPE, o terreno valia R$ 240 milhões. Não há informação sobre os imóveis usados para essa avaliação.

Documento terreno Flamengo
Documento terreno Flamengo Imagem: Reprodução

Esse valor refere-se ao domínio total, portanto, reduzindo 17%, chegamos a R$ 199 milhões, comparados aos R$ 138 milhões do valor do leilão. Acontece que, segundo a avaliação usada para determinar o valor do terreno para o leilão, desse valor foi descontado 10% devido à contaminação, o que não foi considerado no estudo da FIPE (imagem abaixo do edital do leilão, página X). Nesse caso, a comparação seria entre os R$ 138 milhões do leilão contra R$ 199 milhões menos 10%, ou R$ 179 milhões, resultando em uma diferença de R$ 40 milhões, ainda dando margem para reclamação do Fundo.

Entretanto, na ação entre o Fundo e a prefeitura para o terminal Gentileza, a justiça não aceitou o valor da FIPE para o terminal, mas sim o valor de uma perícia (R$ 1369/m²). O valor de R$ 138 milhões dividido pela área do terreno (86.592,30 m²) seria R$ 1595/m², o que indica que o lance mínimo é 16% mais alto que o valor da perícia judicial contratada para determinar o valor do terreno do terminal Gentileza.

Documento terreno Flamengo
Documento terreno Flamengo Imagem: UOL
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É importante destacar que o terreno do terminal, sendo de esquina, seria naturalmente mais valorizado, especialmente considerando que o remanescente é maior e mais contaminado que o do Gentileza, como pode ser visto na imagem abaixo, retirada do processo de desapropriação anterior. Segundo especialistas, incluindo Ricardo Zoghbi da empresa Dominium Ambiental, o documento sugere que a contaminação da parte sul é mais profunda e densa, com maiores desafios de remediação devido à presença de DNAPL e à complexidade do solo. Isso requer técnicas de remediação mais avançadas e caras.

Documento terreno Flamengo
Documento terreno Flamengo Imagem: Reprodução

Finalmente, comparando a avaliação judicial de 2022 e a que foi feita para o lance mínimo do leilão:
3 dos 7 imóveis em 2022 foram usados em 2024
1 dos imóveis não teve aumento de valor (R$ 4257/m²)
1 dos imóveis subiu de preço (R$ 1600/m²), um aumento de 25%
1 dos imóveis baixou de preço (R$ 1766/m²), uma redução de 7,5%

Mas o que determina o valor de um imóvel é ter alguém para comprá-lo, e isso não aconteceu. No demonstrativo financeiro de 2022, foi mencionada a possibilidade de redução do valor de venda dos ativos, como pode ser visto na imagem oriunda da página 4 do demonstrativo financeiro de 2022. Nessa época, o fundo estava em estado de iliquidez e a venda de ativos era necessária para sua viabilidade e continuidade. Essa situação mudou quando o Fundo e a prefeitura entraram em acordo para o cancelamento da dívida de R$ 4,3 bilhões. Sim, a prefeitura perdoou uma dívida de R$ 4,3 bilhões do Fundo que era proprietário do terreno arrematado pelo Flamengo em leilão.

 Documento terreno Flamengo
Documento terreno Flamengo Imagem: UOL

O tamanho da área remanescente e a contaminação afetaram a liquidez do terreno. Incorporadoras, avessas a riscos, teriam que dividir o empreendimento em fases (no jargão imobiliário, faseamento). Isso poderia levar anos, além das incertezas quanto à contaminação. Em 2022, o fundo contratou uma empresa para ajudar a aumentar a liquidez dos seus ativos, criando um master-plan para os terrenos remanescentes. A imagem abaixo mostra o plano para o terreno do Gasômetro e região. O terreno seria dividido em quatro partes, sendo a maior delas destinada à criação de escritórios e um shopping center.

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 Documento terreno Flamengo
Documento terreno Flamengo Imagem: UOL

Entretanto, segundo o relatório da empresa Jones Lang-Lasalle, o mercado de escritórios na cidade do Rio de Janeiro tem uma vacância de 35% e não há demanda para novos escritórios. Além disso, todas as grandes operadoras de shopping center, mesmo quando toda a região estiver ocupada, tratam o terreno com ceticismo, já que a área de influência primária terá um número insuficiente de residências. Com essa situação, o Fundo teria que esperar para vender o terreno mais valioso dos quatro desmembrados, e para isso, o prazo não seria curto.

O que é melhor para o Fundo é discutível e não óbvio, já que receberá à vista um valor acima daquilo determinado pela justiça na desapropriação do terreno para o terminal. A opção seria vender em partes e esperar, talvez por muito tempo, a venda do terreno maior e mais valioso, o que não aconteceria logo. Outro ponto importante é que esse fundo foi criado para ser o braço privado da parceria público-privada e para ser o desenvolvedor da região. Esperar sentado no terreno para que ele se valorize não é perfil de desenvolvedor, mas sim de especulador, e não é essa a função desse fundo.

Portanto, o valor de R$ 138 milhões é um valor justo para o terreno. Pode ser discutível, mas chamar de absurdo, doação ou facilidade é, no mínimo, desinformação, ou uma narrativa tendenciosa e desonesta, veremos muitas nos próximos meses. É preciso lembrar que o terreno estava vazio, desocupado e contaminado por quase vinte anos.

* professor da faculdade de arquitetura da universidade de Victoria em Wellington na Nova Zelândia - Phd e Mestrado em arquitetura - Pós Graduado em Real Estate Marketing pela universidade de British Columbia no Canada e líder da pesquisa internacional sobre estádio de futebol Stadia.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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