Os equívocos de quem ainda tenta explicar a paixão nordestina pelo Flamengo
por Joelson Giordani*
A mais recente pesquisa Datafolha confirmou a liderança do Flamengo com o maior número de torcedores em termos percentuais no Brasil. No Nordeste, onde moro, 25% dos entrevistados se dizem rubro-negros, ou seja, um em cada quatro torcedores.
Os números revelam uma paixão nordestina pelo Flamengo, mas não explicam um mistério: como um time tão distante de nós conquistou os corações da região com sobras, na frente de outros como Bahia, Vitória, Sport, Náutico, Santa Cruz e demais times daqui?
Araripina, cidade pernambucana no centro do Nordeste, está distante 2.189 quilômetros do Rio de Janeiro. São 32 horas de carro. A esmagadora maioria das pessoa na região nunca foi à Cidade Maravilhosa, talvez nunca tenha saído do seu Estado. Ainda assim, amam um time com o qual provavelmente jamais terão contato.
Os jovens e os analistas mais descuidados podem pensar que as transmissões televisivas em cadeia que marcaram o Brasil dos anos 1980 para cá, são os pais dessa criança ou o fermento dessa paixão. Quem vive aqui e puxa a história da comunicação, logo vê que a tese não se sustenta.
Em 1937 não existia um aparelho de TV sequer no Brasil e o rádio tinha apenas 15 anos de sua primeira transmissão. Pois nesse ano, em Teresina, capital do Piauí, criava-se o Esporte Clube Flamengo. O time foi fundado por apaixonados pelo time carioca.
Os fanáticos fundadores viram a torcida crescer pela relação com o "Flamengo do Rio". O time ainda existe e é conhecido como "O melhor Flamengo, fora o Flamengo", e tem 17 títulos estaduais.
Em 1973, dois anos antes de a Globo colocar no ar seu primeira programa em rede nacional, o Tiradentes do Piauí já parava a cidade contratando ídolos que vestiram a camisa do Flamengo do Rio.
Eram anunciados como reforços: Murilo, Tinteiro, Vicentinho e Caio Cambalhota. Ou seja, a Globo ainda se organizava como TV e o Flamengo carioca já tinha ídolos desembarcando aqui conhecidos e amados pelos flamenguistas alucinados.
A difusão da ideia de que a televisão trouxe o Flamengo ao Nordeste se aproxima mais de provar outras teses: a de que os "analistas" se esforçam para não ver essa paixão e simplificam sua existência. E a de que dirigentes de times como o próprio Flamengo pouco conhecem esse fenômeno e dão as costas aos torcedores daqui.
A TV não nos apresentou o Flamengo. Ela no máximo reduziu uma distância, diminuiu uma dor provocada por uma paixão à distância e que já dura quase um século!
* jornalista, piauiense e rubro-negro
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