Ademir da Guia, o maior de todos os injustiçados
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ADEMIR DA GUIA
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.
(João Cabral de Melo Neto)
O post não tem um gancho. Não está ligado a uma efeméride. Poderia ter sido feito dia 3 de abril, quando o sujeito dele, o post, completou 78 anos. Mas Ademir da Guia é atemporal. Não é necessário algo específico para que o blogueiro ateu escreva algo sobre o Divino.
Quando se fala em Fábio, Danilo, Djalma Dias e Roberto Dias como injustiçados na seleção brasileira eu me lembro de Ademir da Guia. O maior jogador da história do Palmeiras, condutor das duas Academias, pentacampeão brasileiro, tem 14 jogos pela seleção. Menos que Felipe Melo. Pouco mais que Fagner.
Ademir comandou o Palmeiras nos títulos brasileiros de 67 (dois), 69 e 70. Em 65, na inauguração do Mineirão, o Palmeiras, com a camisa do Brasil, derrotou o Uruguai por 3 x 0.
Era a primeira Academia, com Valdir, Djalma Santos, Aldemar, Valdemar Carabina, Ferrari, Dudu e Ademir, Gildo Servilio, Tupãzinho e Rinaldo.
Mesmo assim, não foi chamado por Saldanha e nem por Zagallo. As vagas ficaram com Clodoaldo, Gérson, Rivelino e Paulo Cesar Caju. Dirceu Lopes foi cortado. Piazza foi recuado para a zaga. Nada de Ademir.
E tinha lugar para ele? Bem, os convocados eram todos craques. Caju, contestado, também era ponta. Mas Ademir merecia ter lutado pela vaga. Uma chance. E, não nos esqueçamos que Dario estava na Copa, a pedido do sanguinário Garrastazu Médici. Um centroavante que nunca iria jogar. Ademir poderia estar ali.
Rivellino e Gérson eram jogadores espetaculares. Capazes de um lançamento primoroso ou um drible elástico, sem contar a parada atômica. Sem dúvida, poderiam ser o bailarino principal ou a primeira voz. Virtuosos. Ademir, não. Ele seria o maestro, com seu ritmo que Sócrates definiu como "lentidão veloz e raciocínio implacável, um cisne em campo".
Fora da Copa, Ademir continuou tecendo sua história no Palmeiras, que terminou com 155 gols em 902 jogos. Foi campeão brasileiro em 72 e 73, com a segunda Academia, aquela de Leão, Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca, Dudu e Ademir, Edu, Leivinha, César e Nei.
Zagallo se rendeu e o convocou para a Copa de 74. Ficou na reserva de Rivellino, Caju e Dirceu. E viu Carpegiani ter chances. Só entrou no último jogo, disputa de terceiro lugar com a Polônia. Atuou 45 minutos e deu lugar a Mirandinha.
Uma atuação discreta que serviu para referendar a decisão de Zagallo. Ademir disse que foi avisado que iria jogar na hora do almoço e que não teve uma adaptação ideal.
Aí estava o problema. Ademir era calado, tímido e se comunicava essencialmente com os pés. Isso o atrapalhava. Não tinha, em seu arsenal, o murro na mesa que garantia e ainda garante escalações. Basta lembrar que Gérson, seu rival, além de estupendo jogador, tinha o apelido de Papagaio. Nunca precisou de escalar no grito, mas se fosse preciso, o berro seria ouvido.
E se Ademir, em vez de trocar o Bangu pelo Palmeiras em 1965, tivesse ido para Vasco, Fluminense, Botafogo ou Flamengo?
Teria sido mais notado, mais convocado, mais escalado. E não teria sido mais Divino.
Meu amigo Cláudio Manesco, Divino com as mãos e esforçado com os pés, escreveu sobre Ademir, seu ídolo.
ESTRELA GUIA
JOSÉ CLÁUDIO MANESCO
O craque da minha vida nunca foi craque de mídia e muito menos craque da mídia.
Economizava nas palavras, não alimentava polêmicas.
Antes fugia com a mesma elegância com a qual perseguia a bola vadia nos gramados da vida.
Cerebral, corria com os olhos fazendo da bola um brinquedo redondo que ia e vinha enfeitiçada por sua maestria.
Não era de subir no alambrado, de bater no peito ou beijar distintivo.
Não falava de segunda pele, jamais fez juras de amor, não usava tatuagens e nem nada prometia.
Era sempre da mesma forma e que forma mais esguia.
E os gols que o meu time fazia não raramente eram assinados por sua letra fria.
Certamente não foi prosa, mas poesia: moderna, sintética, invisível.
Indivíduo coletivo, aparecia escondido no brilho dos seus parceiros.
Na constelação dos meus ídolos ele foi e é minha estrela (Ademir da) Guia.
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