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Ronaldão, o herói esquecido. Cada carrinho, uma alegria

Ronaldão e Zetti beijam a taça do Mundial de 1993, conquistado pelo São Paulo - Jorge Araújo/Folhapress
Ronaldão e Zetti beijam a taça do Mundial de 1993, conquistado pelo São Paulo Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

03/05/2020 15h57

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Acabei de ver o jogo São Paulo 3 x 2 Milan. Grande partida de Cerezo. Gol espírita de Muller. Cafu, André Luiz, Palhinha...

Mas a surpresa, para mim, é a memória ter esquecido como Ronaldão foi gigante. Pelo alto, por baixo, com carrinhos e coberturas.

Busquei um texto antigo da amiga Mariana Lajolo, que se declara fã de Ronaldão. Jóia Jóia.

Cada carrinho era uma alegria

Por Mariana Lajolo

Seu Joaquim, carinhosamente o "vô Quim", sempre econômico com as palavras, apenas balançava a cabeça: "Tanto tamanho e tão pouco cérebro". O gesto era repetido em todos os jogos do São Paulo que víamos juntos. E, acredito, nos tantos outros a que ele assistia sozinho, com o volume lá em cima e os óculos fundo de garrafa grudados na tela.

Herdei dele boa parte de meu amor pelo time. Em uma época em que torcedora do São Paulo era tida como sinônimo de gritinhos histéricos pelas coxas do Raí, desenvolvi certa aversão ao "lado menudo" do Tricolor. Não que Raí tivesse pernas feias, muito pelo contrário, mas eu preferia outras.

Do lado italiano da família, herdei o gosto pela arte da defesa. Aprendi que um desarme bem feito pode despertar tanta admiração quanto um drible desconcertante. Para roubar "aquela" bola o jogador também precisa de controle do corpo e do espaço, de oportunismo, de elegância. Ronaldão nem sempre (ou quase nunca) dava o exemplo mais bem acabado de um desarme elegante. Mas eu me divertia a cada carrinho, cada chutão, cada cabeçada que mandava aquela bola venenosa do escanteio de novo para a linha de fundo, e para mais um escanteio...Assistir ao jogo com aquele brutamontes em campo era assim, sensação total de segurança misturada a um gélido frio na barriga cada vez que ele avançava mais de dois metros com as bolas nos pés rumo ao gol adversário. "Toca a bola, p...!"

Se não me engano, Ronaldão começou como lateral, mas era lento demais. Virou zagueiro. Acho que não havia outra opção. Ainda bem. Se não fosse limitado, se não tivesse tido de se enfiar na zaga e, mais, se não tivesse espírito de vaca louca _aquela que quando você abre a porteira sai correndo e só pára quando bate em alguma coisa_, o São Paulo nunca teria sido campeão mundial. Depois do primeiro gol do Barcelona, eu já estava com o coração na boca. Até que ele saiu em direção à bola. Essa era a desculpa, o alvo era outro, muito bem escolhido. Ronaldão podia ter jogado a dita cuja pra escanteio e pronto, ou dado uma encostadinha até... Mas não. Atropelou o cara, carrinho criminoso que jogou o sujeito na pista de atletismo. Ali começou a virada.

"Tão pouco cérebro..."Ronaldão era tão bom que conseguiu até convencer o Parreira de que merecia ir à seleção. Além dele, acho que só eu e meu avô tínhamos a mesma opinião. Na adolescência, fui muitas vezes assistir a treinos do São Paulo sozinha ou com minha irmã, que me obrigava a também ver a pelada do outro lado do muro do CT.

Sempre tive muita vergonha de pedir autógrafos, mas certa vez não resisti. Raí e Ronaldão saíram juntos, e logo a multidão se formou. Ele passou sozinho, reto, cabeça baixa, só parou quando chegou ao carro. Eu, esbaforida, papel e caneta na mão, ia atrás. "Tem certeza de que é o meu autógrafo que você quer?". Tinha.

Postado originalmente em 15 de julho de 2008.