Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Obrigado futebol, bálsamo que nos alivia das dores mais cruéis e perversas
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O Brasil tem 5568 municípios. Da fronteira com o Uruguai às terras indígenas. Uma megalópole como São Paulo. Cidades com população menor que a fila de um show de pouco sucesso.
E o que há em comum no domingo de todas as cidades?
Não é a missa. Não é o culto. Em alguma delas, o padre, pastor ou rabino pode não estar em condições físicas para atender seu rebanho.
Não é o macarrão da mama, filhos reunidos na visita semanal regada a spachetti. Pode ter faltado molho de tomate na venda. Ou os filhos não puderam ir.
O fio que une todas as cidades, o fio que nos une é a pelada. Casados contra solteiros, rua de cima x rua de baixo, Vila Braga x Siriri, Mongaguá x Suarão.
O futebol aliena? Tomara que sim. Estamos precisando de algo que nos afaste da realidade cruel e perversa, da distopia em que vivemos.
O Brasil não é apenas o país dos assassinatos impunes. É o país em que a culpa dos assassinatos recai sobre...os assassinados.
O jornalista Don Philips e o indigenista Bruno foram assassinados. Seus corpos foram retalhados. Esquartejados.
O presidente Jair Bolsonaro disse que o jornalista era mal visto na região amazônica por causa de matérias contra o garimpo.
A culpa é da vítima.
Genivaldo, cidadão comum, foi assassinado em uma câmara de gás improvisada no carro da PRF.
A corporação disse que ele teve comportamento agressivo ao ser abordado.
A culpa é da vítima.
O congolês Moïse foi assassinado em um quiosque na praia, no Rio.
Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares disse que ele era vagabundo.
A culpa é da vítima.
O Brasil teve 667 mil mortos pela Covid
O presidente Jair Bolsonaro disse que não era coveiro e que não se pode ter medo da morte.
A culpa é da vítima.
Marielle Franco, vereadora no Rio, foi assassinada há quatro anos.
Sua memória foi vilipendiada.
A culpa é da vítima.
Só mesmo com muito futebol na veia, para não entrar em luto profundo, para não desistir desse país maravilhoso que pertence a nós, os assassinados e não a eles, os assassinos.
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