Como base do Palmeiras foi de criticada a fundamental para Libertadores
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"Eu estava no sub-18 do Vitória com a ficha de dispensa do David Luiz na mão. Só faltava assinar. Ele jogava como volante. Falei: 'vai lá para trás, vai jogar na zaga'. Deu certo, e depois ele foi vendido ao Benfica". A história ocorrida no início dos anos 2000 e contada por João Paulo Sampaio ajuda a entender um dos métodos que transformaram as categorias de base do Palmeiras.
Antes criticado por torcedores pela falta de aproveitamento de jogadores no time de cima, hoje o departamento de formação de atletas do alviverde é referência no país e se tornou sustentação fundamental para a campanha que tenta ser coroada com o título da Libertadores no sábado (30), contra o Santos, no Maracanã.
Uma das bases deste sucesso é o incentivo à versatilidade dos atletas, como aconteceu no episódio com David Luiz.
"Nos nossos times da base, todo jogador tem que saber atuar em três posições", diz Sampaio. Desde 2015, ele coordena o CFA (Centro de Formação de Atletas) do Palmeiras.
A versatilidade deixa os jogadores mais completos, valorizados e aumenta as alternativas do treinador sem precisar de reforços.
Gabriel Menino, que atua no Palmeiras principalmente como meio-campista e que chegou à seleção brasileira principal com Tite para jogar na lateral, simboliza a polivalência exigida na base palmeirense.
Assim como Menino, Patrick de Paula, Gabriel Veron e Danilo também foram incentivados a executar diferentes funções.
Todos ganharam espaço no time principal do Palmeiras em 2020 e ajudaram a mudar o status do departamento de formação de atletas alviverde.
Luxa X Sampaoli
A importância dada à revelação de atletas agora é tanta que as escolhas dos dois últimos técnicos do profissional tiveram a ver com a formação de jogadores.
No final de 2019, ano sem conquistas de títulos no time principal, Maurício Galiotte decidiu que havia chegado o momento de mudar de filosofia e gastar menos. A vez de Menino e companhia estava chegando. Mano Menezes e o diretor executivo Alexandre Mattos foram demitidos.
A ideia de contratar Jorge Sampaoli esbarrou não só na pedida salarial do argentino, mas também na cobrança por reforços. A diretoria avaliou que ele não se encaixaria na nova filosofia.
Entre as opções analisadas, Luxemburgo ganhou força por ser considerado cascudo e com apoio de torcedores e conselheiros para bancar uma reformulação no elenco, aproveitando a base. Isso além de seu histórico de montar equipes de futebol ofensivo e bem jogado, como Galiotte sonhava.
"Falamos para o Vanderlei que ele colocava seus times para jogar como a gente queria, mas que a equipe precisava ser reformulada. Não foi uma coisa feita às pressas. Os jogadores da base estavam prontos para subir. Foi algo planejado. Fizemos um trabalho longo na base", disse Cícero Souza, gerente de futebol do Palmeiras. Assim como Sampaio, ele chegou à agremiação em 2015, como parte de um projeto de profissionalização idealizado pelo então presidente Paulo Nobre.
Luxa cumpriu seu papel na avaliação da diretoria. Deu espaço para os jogadores da base e foi campeão paulista com Gabriel Menino e Patrick de Paula entre os destaques.
"Luxemburgo foi muito corajoso (por escalar os jovens). Quando ele chegou no clube, pediu para que eu participasse da primeira reunião. Ele já conhecia alguns jogadores da base", afirmou Sampaio.
Mas houve um momento em que a análise da direção foi de que ele não conseguia mais fazer o time evoluir.
Entre os nomes analisados, Abel Ferreira chamou atenção por ter histórico de aproveitar bem jovens atletas.
Investimento
O argumento de Cícero de que a entrada dos garotos no time não foi um improviso se sustenta com dados relativos ao investimento palmeirense na base.
De acordo com números do clube, o investimento na base de 2017 a 2019, já com Maurício Galiotte na presidência, foi de cerca de R$ 90 milhões. Ou seja, média de aproximadamente R$ 30 milhões anuais.
Também de acordo com dados do Palmeiras, houve um aumento de 50,6% em relação ao montante investido na formação de atletas entre 2014 e 2016, período que teve Nobre como presidente.
A estratégia foi aprimorar a estrutura do Centro de Formação de Atletas, incluindo a contratação de profissionais, para subir degraus paulatinamente. Houve aumento de títulos conquistados na base, de convocações de jogadores para as seleções de base até chegar no maior aproveitamento dos jovens no time profissional.
"A ideia era começar com dois jogadores da base atuando pelo menos 45 minutos em pelo menos dez jogos na mesma temporada até chegarmos a no mínimo quatro jogadores por temporada. Conseguimos", contou Cícero.
Estatísticas do Palmeiras mostram que na temporada 2020/2021, até a vitória por 4 a 0 sobre o Corinthians, foram usados na equipe principal 16 jogadores da base.
Em 2019, apenas cinco atletas da base foram aproveitados (Vitão, Gabriel Veron, Victor Luis, Léo Passos e Esteves). Na temporada de 2018, esse número foi de oito. Já em 2017 tinham sido utilizados sete jovens formados no clube.
Esse trabalho tornou a presença de jogadores do Palmeiras nas categorias de base da seleção mais constante nos últimos anos. Foram 77 chamadas de palmeirenses para defender o Brasil do sub-15 ao sub-20, entre 2017 e 2021.
Taças
Os títulos na base foram aumentando a cada ano. Pelas contas do clube, foram 16 em 2017, 23 em 2018 e 34 em 2019. Na temporada 2020 e 2021, por causa da pandemia de covid-19, o número de competições diminuiu e só o sub-17 e sub-20 retornaram aos trabalhos presenciais. O saldo é de seis taças levantadas até aqui.
Grana
O investimento na formação de atletas também dá retorno financeiro. Ainda de acordo com números do Palmeiras, entre 2017 e 2019, o clube arrecadou R$ 138,2 milhões com a venda de jogadores formados na base. Os dados de 2020 ainda não foram fechados.
Em termos de comparação, entre 2014 e 2016, a receita gerada por essas negociações foi de R$ 53,6 milhões.
"Falei para o presidente (Galiotte) que a reestruturação da base deveria ter três pilares. Primeiro, ser referência e chamar a atenção da Europa. Depois, ganhar títulos e, depois, ter jogadores de seleção", disse o Sampaio.
Segundo ele, um dos pontos cruciais da mudança foi o investimento em captadores, profissionais especializados em garimpar jovens promissores.
O coordenador conta que quando chegou ao clube eram apenas dois encarregados de fazer esse trabalho para todas as categorias. Hoje, são cinco. Num primeiro momento, houve redução no número de profissionais com outras funções para permitir esse aumento. Depois, novas contratações foram feitas, e agora o estafe é considerado completo, com colaboradores nas áreas de assistência social, psicologia e pedagogia, entre outras.
Abel
Também é considerada importante a aproximação entre os times de formação e o profissional. A comissão técnica comandada por Abel Ferreira recebe até estatísticas de jogos da base para poder monitorar os jogadores.
Cícero e Sampaio também apontam como fundamental um movimento que começou com Paulo Nobre e seguiu com Galiotte. Trata-se da profissionalização em diferentes áreas do clube, diminuindo a participação de diretores amadores, a maioria conselheiros, dando maior poder aos profissionais. Entre outros benefícios, isso ajudou a blindar a base e o time profissional de questões políticas.
Crefisa
E ter uma patrocinadora endinheirada como a Crefisa, disposta a ajudar o clube a comprar os jogadores mais concorridos do mercado atrapalhou?
"Não. Contar com um patrocinador forte é muito bom. Ajuda a ter um time mais forte, que brigue por títulos, isso dá mais tempo para a maturação dos jovens", explicou Cícero.
Essa maturação das revelações da base palmeirense terá seu maior teste no próximo sábado (30), na final da Libertadores, no Maracanã, contra o Santos, que volta a se destacar na revelação de atletas.
Independentemente do resultado da decisão, Galiotte diz nos bastidores ter convicção de que deixará como um dos seus principais legados o fortalecimento das categorias de base do Palmeiras. Seu mandato termina em dezembro deste ano.
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