Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Quatro histórias que mostram a humildade de Pelé fora dos gramados
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Espremido entre veteranos do jornalismo esportivo da época num salão do antigo prédio da Federação Paulista de Futebol, entrevistei Pelé pela primeira vez. Eu estava começando a carreira e trabalhava para a Rádio ABC de Santo André.
Munido de um gravador de bolso, fiquei atrás de tanta gente que não consegui captar as palavras do Rei. Constrangido, expliquei depois à majestade do futebol o que havia acontecido. Ele ainda distribuía autógrafos quando concordou em falar com o retardatário.
Pacientemente, respondeu a algumas perguntas. Uma delas era sobre o gol que Rivaldo, em início de carreira, havia feito, do meio de campo, pelo Mogi Mirim, em 1993. O jovem atleta havia realizado com sucesso uma jogada que Pelé tentara em vão durante a Copa de 1970. A resposta veio com elogios ao jogador novato. Voltei para casa naquela noite impactado pela humildade do Rei. Eu a experimentaria mais vezes ao longo da carreira.
Uma das mais impressionantes dessas experiências aconteceu quando Pelé realizava um treino com garotos da base do Santos. De repente, Luciano Faccioli, que na época trabalhava no departamento de esportes de uma rádio de São Paulo, disse, brincando, algo como: "Rei, está tarde, precisamos te entrevistar, vem aqui".
Os repórteres à beira do gramado riam, quando o ex-jogador parou seu trabalho e veio na direção dos jornalistas. "Quando for assim, vocês me avisem. Eu paro e venho falar com vocês". Faccioli explicou que estava brincando, mas o Rei ficou lá e deu a entrevista coletiva.
Depois dessa, eu já estava acostumado com a humildade e a simpatia reais. Mas faltava compará-las de perto com as reações de outro jogador.
Em abril de 2010, quando trabalhava na Placar, veio a oportunidade. Fui escalado para fazer uma entrevista com Pelé e a sensação do Santos naquele momento: Neymar. A foto que ilustraria a edição comemorativa dos 40 anos da revista ficaria sob a responsabilidade do craque das lentes Alexandre Battibugli.
"Quem escolhe quando e onde é o Pelé, ele é o Rei", disse o empresário Wagner Ribeiro, que cuidava de Neymar, quando contei da ideia de unir os dois para entrevistas e fotos. Conseguimos uma data aproveitando intervalos nas duas agendas. Num prédio da Avenida Paulista, o único jogador a vencer três Copas do Mundo nos atendeu antes de um evento do qual ele participaria.
Pelé respondia às perguntas com interesse e bom humor quando um dos organizadores do evento nos interrompeu dizendo que seria a última pergunta. "Eu vou responder a todas as perguntas que ele tiver para fazer", devolveu o Rei. A vontade real foi feita. A entrevista seguiu conforme o combinado, sem atropelos.
Quando chegou a vez de Neymar, entrevistei um jovem tímido e mais interessado em brincar com uma pequena bola que havia no estúdio do que em falar comigo. Tivemos que interromper a entrevista por falta de tempo. O papo só continuou na rua, enquanto Neymar se encaminhava para um estacionamento.
Ainda precisei parar de perguntar porque um corintiano nos abordou indagando se aquele era o Neymar. Ribeiro se apressou em dizer que se tratava de um sósia. No dia anterior, a revelação santista havia feito grande partida justamente contra o Corinthians.
Dessa vez, meu retorno para casa foi matutando a respeito de como foi mais fácil e agradável conversar com o Rei do que com um novato promissor.
Alguns anos antes, eu havia conseguido uma rápida entrevista exclusiva concedida de forma inusitada por Pelé. Com ajuda de Luiz Sérgio Scarpelli Esteban, conselheiro do Corinthians também falecido neste ano, e do empresário Marcel Figer, consegui que Pelé me atendesse após um evento em São Paulo. Ele falaria no estacionamento, antes de deixar o local.
Esperei no ponto combinado. De repente, o maior jogador de todos os tempos apareceu cercado por seu estafe. Antes que um dos seguranças me impedisse de falar com Pelé, ele me perguntou se eu era o jornalista da Folha [de S. Paulo]. Diante da resposta positiva, afirmou que falaria comigo. Conversamos por uns 10 minutos. Não falamos mais porque eu quis cumprir a promessa de que seria breve. O Rei em nenhum momento pediu para o papo ser encerrado.
Essas quatro histórias me ajudaram a construir a certeza que tenho de que Pelé foi, entre jogadores e ex-jogadores de futebol, o cara mais humilde que entrevistei. Nunca ouvi dele um "não", um "depois". Já vi atletas sem um décimo da relevância dele usarem diversas estratégias para evitarem entrevistas ou serem arrogantes durante elas.
Pelé soube ser majestoso no trato com a imprensa. Pelo menos comigo, sempre foi. Isso tornou ainda mais difícil escrever esse texto logo depois de saber da morte, nesta quinta (29), do maior craque que já pisou nos gramados.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.