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Opositor pode ter candidatura impugnada no Corinthians? Advogados analisam

O opositor Augusto Melo está ou não apto a registrar candidatura à presidência do Corinthians para a eleição de 25 de novembro? Essa questão movimenta o clube desde que o conselheiro Romeu Tuma Júnior deixou a Comissão Eleitoral afirmando estar em curso golpe para impugnar a candidatura do oposicionista.

A coluna destrinchou o assunto e ouviu três advogados indicados pelas assessorias de imprensa da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nenhum deles cravou que Augusto está inelegível [veja as as análises abaixo].

Pela situação, André Luiz Oliveira, o André Negão, anunciou que registrará sua candidatura.

A acusação

Segundo Tuma, que presidiu a Comissão Eleitoral no pleito anterior, no qual Augusto ficou em segundo lugar, o suposto golpe seria construído a partir do controle da comissão pela situação. Um situacionista apresentaria o pedido de impugnação alegando que Augusto está inelegível por ter sofrido uma condenação na Justiça. O pedido seria aceito.

O candidato foi condenado por crime contra a ordem tributária, que não aparece no estatuto como impeditivo para a candidatura. Seria alegada equiparação a um crime citado pelo estatuto.

Ivaney Cayres, conselheiro que pode ser considerado situacionista, foi eleito presidente da comissão. A tese de golpe, obviamente, é refutada pelos situacionistas. A coluna procurou Cayres para falar sobre a situação de Augusto, mas não foi atendida

A condenação

Em 20 de março de 2015, após absolvição em primeira instância, Augusto foi condenado a dois anos, dez meses e 20 dias de reclusão em regime inicial aberto.

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Houve substituição por penas de prestação pecuniária e de serviços à comunidade, além de pagamento de multa. A sentença transitou em julgado para o acusado em abril de 2015. Em relação às penas aplicadas, faltou o pagamento de valor referente à reparação de danos. As demais penas terminaram de ser cumpridas em setembro de 2017.

Segundo a acusação, Augusto teria agido para praticar sonegação de ICMS no valor de R$ 342.705,10, entre 2002 e 2005, por meio da empresa da qual era sócio, a Vic Confecções de Bolsas. No processo, ele alegou que vendeu a empresa em 2003 e que não seria responsável pelas supostas ações apontadas pelo Ministério Público.

O estatuto

O estatuto corintiano diz que o sócio não pode ser candidato se foi condenado com decisão transitada em julgado, desde a condenação até o transcurso do prazo oito anos após o cumprimento da pena, por uma série de crimes.

O crime contra ordem tributária não está entre eles. Na lista, aparecem os crimes contra a administração pública e o patrimônio público.

A tese

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Conselheiros da situação que entendem que Melo deve ser barrado afirmam que o crime contra a ordem tributária afeta o Estado. Assim, pode ser equiparado ao crime contra a administração pública ou contra o patrimônio público.

Além de ter sido candidato em 2020, Augusto aparecia como postulante à vice-presidência na chapa de Antonio Roque Citadini, em 2018. O estatuto era o mesmo. Quem defende a impugnação diz que houve erro na aprovação das candidaturas anteriores.

O que dizem os advogados consultados

Mauricio Dieter, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

"Qualquer interpretação que tenha por objeto uma questão penal deve ser orientada pelo princípio da legalidade, que proíbe uma interpretação ampla da lei em prejuízo ao acusado ou condenado. Assim, se o estatuto do clube não inclui, explicitamente, os crimes contra a ordem tributária entre os que proíbem a candidatura, então uma eventual condenação por esse crime, ainda que transitada em julgado, não permite a proibição da inscrição do candidato. De fato, não é possível fazer analogia para dizer que os crimes são parecidos, exceto se essa comparação pudesse favorecer a situação do réu ou condenado, em qualquer processo jurídico ou administrativo, o que não é o caso".

Marco Aurélio Florêncio Filho, professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Diante do que dispõe o artigo 44, §4º, do Estatuto do Sport Club Corinthians Paulista, há mais de uma interpretação possível. Isso porque, embora o estatuto não mencione, expressamente, a condenação por crimes contra a ordem tributária como uma das hipóteses de impedimento à candidatura, o seu artigo 44, §4º veda a candidatura do associado condenado por crimes contra a administração pública e o patrimônio público cuja pena tenha sido cumprida em um período inferior a 08 (oito) anos. Deste modo, a conclusão dependerá da interpretação do crime de sonegação fiscal ser ou não um crime contra a administração pública e/ou contra o patrimônio público.

Se considerarmos que o crime de sonegação fiscal não foi inserido pelo legislador no âmbito do Título XI: "Dos Crimes Contra a Administração Pública", do Código Penal, mas, sim, na legislação específica dos Crimes Contra a Ordem Tributária (Lei n.º 8.137/90), seria possível cogitar, em tese, que não haveria nenhum óbice.

A conclusão poderia ser embasada por meio de uma analogia ao entendimento conferido pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito do crime de descaminho, previsto no artigo 334, do Código Penal (que se encontra no âmbito do Título XI: "Dos Crimes contra a Administração Pública"), não ser um crime tributário, mesmo versando sobre a arrecadação tributária; mas sim um crime contra a Administração Pública.

Por outro lado, se, como leciona a doutrina majoritária, considerarmos que os crimes contra a ordem tributária atingem diretamente a administração do Erário, prejudicando a arrecadação de tributos e a gestão dos gastos públicos, seria possível afirmar que o crime de sonegação fiscal visa a tutelar a Ordem Tributária e, sob o ponto de vista de sua incolumidade e eficácia, a Administração Pública e o Patrimônio Público.

Deste modo, eventual óbice na candidatura à presidência do Corinthians dependerá da interpretação [da comissão eleitoral] conferida à natureza jurídica do crime previsto no artigo 1º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90".

Depois de Florêncio Filho enviar sua análise, a coluna informou que Augusto já tinha sido candidato após sua condenação e com as mesmas regras estatutárias.

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"Sobre este assunto eu preciso saber se a comissão avaliou anteriormente a mesma condenação afastando o seu enquadramento como crime contra a administração pública ou contra o patrimônio público. Aí, muda todo o cenário", afirmou o advogado.

Então, ele foi informado de que a comissão anterior avaliou que o crime pelo qual Augusto foi condenado não está previsto no estatuto, mas não analisou a possibilidade de ele ser enquadrado como crimes previstos no estatuto porque não houve pedido de impugnação levando em conta essa tese.

Em seguida, o advogado emitiu a seguinte opinião:

"Entendo, então, que a decisão não pode ser modificada para prejudicá-lo. Com base na segurança jurídica e na proibição da reformatio in pejus [quando diante de um recurso exclusivo da defesa, a nova decisão piora a situação do acusado], entendo que a comissão não pode reinterpretar a condenação enquadrando-a nas hipóteses previstas no estatuto do clube".

Filipe Orsolini Pinto de Souza, membro da Comissão Desportiva da OAB-SP e professor de direito desportivo da FACAMP (Faculdades de Campinas)

"Não me parece possível dizer, de maneira clara, sobre a inelegibilidade. Por quê? Porque nos crimes que estão descritos como impeditivos você não tem o crime contra a ordem tributária. Por ocasião da elaboração do estatuto, os conselheiros, os associados decidiram por não incluir esse crime. Poderia até ser admitida essa interpretação [enquadrar crime tributário como crime contra a administração pública ou contra o patrimônio público]. De qualquer forma, o que eu acho que é mais relevante é que ele já foi candidato duas vezes com essa condenação. Como se trata de uma entidade privada, que tem a sua comissão eleitoral, é prudente que se preserve o entendimento das comissões eleitorais anteriores para que se tenha segurança jurídica. Se nessas outras duas oportunidades a comissão eleitoral entendeu que isso [a condenação] não foi impedimento para que ele fosse candidato, isso nos traz a conclusão de que aos olhos do clube, como entidade privada, não haveria impedimento. E que essa natureza de crime não estaria enquadrada no estatuto. Então, ele poderia ser candidato. Ele já foi candidato. Isso é muito importante. A segurança jurídica é muito importante para a entidade. Se em duas situações isso já foi entendido dessa forma pelo clube, qualquer mudança na interpretação pode ser um casuísmo, o que não é bem-vindo para o direito. As decisões podem ser revistas, mas precisaria ser algo muito bem justificado".

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O que diz Augusto

A coluna procurou a assessoria de imprensa de Augusto para ouvir sua opinião sobre a tese situacionista. A resposta foi em forma de nota em nome de seu grupo:

"O grupo 'Corinthians Mais Forte´ e a frente ampla de oposição, por meio de seu núcleo jurídico, esclarecem que a situação do candidato Augusto Melo está perfeitamente de acordo com o que determina o estatuto do clube para as eleições deste ano.

Destacamos também que qualquer contestação sobre a legalidade da candidatura só reflete a mentalidade golpista de um grupo que está há 16 anos no poder e mostra-se desesperado diante da ameaça do fim de seu 'reinado'.

Diante disso, destacamos que:

1) O candidato Augusto Melo conta com todas suas certidões em situação regular.

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2) O estatuto do Corinthians, no seu artigo 44, parágrafo 4º, elenca TODAS as situações que impediriam a candidatura de um associado. E o candidato Augusto Melo não se encaixa em nenhum delas. Qualquer tentativa de relação nada mais é do que ginástica interpretativa.

3) Por fim, Augusto Melo já participou das duas últimas eleições como candidato à presidência (2020) e à vice-presidência (2018) sem qualquer problema. De lá para cá não houve alteração no Estatuto e, consequentemente, na condição eleitoral do Augusto, razão pela qual não há impedimento para que ele seja novamente candidato.

Eleição anterior

Leia trecho da nota enviada por Tuma sobre a análise da candidatura de Augusto pela Comissão Eleitoral na eleição anterior:

"Especificamente sobre o candidato Augusto Melo, apesar de o mesmo contar com uma condenação com trânsito em julgado desde o ano de 2017, consignando que o mesmo já concorrera a um cargo de vice-presidente por uma Chapa na eleição de 2018, importante esclarecer que referida condenação era referente ao delito previsto no artigo 1º, inciso II, combinado com o artigo 11, ambos da Lei nº 8.137/90 (Lei que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências), reprimenda legal não prevista no rol dos crimes relacionados no estatuto do SCCP, ou seja, no parágrafo 4º de seu artigo 44, que trata das inelegibilidades".

Justiça

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Augusto tem revisitado o caso que gerou a condenação. Em 1º de agosto, seus advogados impetraram ordem de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça reclamando de constrangimento ilegal devido a alegado aumento de sua pena.

Em julho, ele entrou com pedido de reabilitação criminal, que na prática é uma declaração judicial de que o réu cumpriu a pena ou que ela foi extinta. Seus advogados alegaram que a cobrança do valor devido como reparação de danos prescreveu. A Justiça não encontrou quantia suficiente em suas contas para a quitação. Numa decisão contra a reabilitação, a Justiça apontou que Augusto, que é empresário, não apresentou documentos exigidos, "como os que indicam o desempenho de ocupação lícita desde a extinção da pena".

Ele tenta uma revisão criminal, medida que visa desconstituir uma decisão por entender que ela tem erros. O pedido inicial foi indeferido porque foi feito de maneira digital. O juiz indicou que ele deveria ter sido feito de forma física.

Reportagem

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