Documentos revelam como agente tenta segurar atletas com empréstimos
Com Diego Garcia, colunista do UOL
Um calhamaço com mais de 2.500 páginas dos autos de 12 processos na Justiça paulista contém informações que revelam como o agente Fernando Garcia, ex-conselheiro vitalício do Corinthians, sua empresa, a Elenko, e seu sócio, Guilherme de Miranda Gonçalves, usam dinheiro para tentar segurar jogadores como clientes.
As ações são movidas pela agência ou pelos empresários, principalmente, para cobrar dívidas de alegados empréstimos a sete atletas. Entre os processados estão Gustavo Silva, o Mosquito, do Corinthians, e Matheus Jesus, seu ex-colega no Alvinegro, e o ex-são-paulino Brenner (Udinese-ITA).
Os processos mostram que uma das práticas da empresa de Garcia é emprestar dinheiro aos jogadores a condições convidativas ou até sem o atleta ter necessariamente que pagar pela grana. Em parte dos casos, os jogadores só precisariam devolver a quantia se não conservassem os contratos que autorizavam a Elenko a representá-los.
Esse movimento compensa a impossibilidade de os contratos entre agentes e atletas terem cláusula de renovação automática, que é proibida pela CBF. As regras da confederação válidas na época dos empréstimos também impedem os agentes de oferecerem recompensas, incluindo dinheiro, para os atletas assinarem com eles.
Brenner
Em julho de 2021, a Elenko foi à Justiça contra o ex-jogador do São Paulo alegando que ele deixou de pagar um empréstimo de R$ 600 mil feito em 2018. O valor atualizado chegou a R$ 1.410.791,10, segundo a empresa. Em julho deste ano, após já ter R$ 891,1 mil bloqueados em suas contas, Brenner pediu na Justiça a nulidade do contrato de empréstimo.
A defesa de Brenner apresentou contrato de doação que teria sido feita pela Elenko no mesmo valor cobrado e diz que ele desconhecia o empréstimo. Uma das alegações do atleta é a de que o contrato de mútuo só pode ter sido celebrado mediante "falsificação da assinatura" ou com a papelada sendo inserida de forma "ardilosa e escamoteada" numa pilha de documentos que o atleta deveria assinar. Em julho, a Justiça indeferiu um pedido de Brenner para suspender a ação. Cabe recurso.
Guilherme, sócio de Garcia, disse: "vamos aguardar o perito falar sobre as assinaturas que ele alega que são falsificadas". No processo, a Elenko ainda se manifestou afirmando, entre outros argumentos, que o contrato de doação apresentado por Brenner não tem validade por ter sido assinado por apenas um dos sócios da empresa, Guilherme. Brenner teve, entre carros e motos, oito veículos penhorados.
Em outra ação, de outubro de 2021, o sócio de Garcia alega que, em 2019, emprestou R$ 8.909,28 para Brenner. O atacante só precisaria devolver a quantia se desistisse de continuar sendo representado pela Elenko. O compromisso terminou em março de 2021, e o agente afirma que não recebeu o dinheiro de volta. O UOL não conseguiu contato com Brenner.
Fique e não pague
Fato semelhante ocorreu com Jean Herbert de Freitas, o Jô, que pertence ao Botafogo e foi emprestado ao Sampaio Corrêa, mas os empréstimos foram feitos por Garcia. Em outubro de 2021, o valor cobrado era de R$ 196,8 mil.
A mesma cláusula aparece em empréstimo de R$ 3 mil feito pelo sócio de Garcia a Jô em 2019. O atacante não havia sido citado nos processos até a conclusão desta reportagem. O UOL tentou contato com o jogador, mas sua defesa preferiu não comentar.
Outro atleta que só precisaria pagar um empréstimo se não assinasse novo contrato com a Elenko é Berguinho, que defendeu o Náutico na edição deste ano da Série C.
Ele pegou R$ 5 mil emprestados do sócio de Garcia, não quitou a dívida e foi processado. As partes fizeram acordo no ano passado. Berguinho foi cobrado na Justiça, a partir de outubro de 2021, pela Elenko para pagar um empréstimo de R$ 30 mil, mas também foi feito um trato. Procurado pelo UOL, o jogador disse que não comentaria.
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O corintiano Mosquito é alvo de um processo movido desde agosto de 2021 pela Elenko por causa de dois empréstimos e outra ação referente a dinheiro emprestado por Garcia. Pelos dois contratos de mútuo com a Elenko, o jogador deveria restituir a agência no momento em que "abdicasse de conservar" um contrato de representação com ela.
O atleta preferiu passar a ser agenciado por Carlos Leite. Ele não pagou os empréstimos, de acordo com os advogados da Elenko. A reportagem apurou que Mosquito já não trata mais Leite como seu empresário.
No processo movido pelo ex-conselheiro corintiano, a defesa do jogador alegou que há "ferimento dos deveres de representante/intermediário por parte da Elenko, tendo ainda havido comprovação de benefício à própria intermediária por oferecimento de recompensa" ao jogador. O sócio de Garcia entende que a empresa não descumpriu as regras da CBF. Mosquito não quis se pronunciar.
Imóvel penhorado
Fernando Karanga, que segundo o site Transfermarkt está vinculado ao Ji'nan Xingzhou, da China, teve parte de um imóvel penhorado por causa de cobrança feita pela Elenko. A empresa entrou na Justiça em fevereiro de 2021 para cobrar R$ 794.998,47 do atacante, acusado de não honrar um acordo para quitar dívida com a agência.
Em agosto deste ano, a Justiça deferiu a penhora de 50% de um imóvel em Varginha-MG, do qual o jogador é um dos proprietários. O UOL não conseguiu contato com o atleta. Karanga chegou a ser preso em abril deste ano, em flagrante, sob a acusação de agredir sua namorada. A Justiça de Pernambuco revogou a prisão preventiva dele em 14 de setembro.
Matheus Jesus
O ex-jogador do Corinthians, hoje no Varen Nagasaki, do Japão, enfrenta duas cobranças da Elenko. Numa delas, a empresa alega que emprestou, em 2019, R$ 400 mil porque Jesus não tinha dinheiro para honrar acordo feito após cobrança na Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF. Ele foi cobrado para pagar multa rescisória por ter rompido seu contrato com os agentes anteriores. Em seguida, o atleta assinou com a Elenko.
Em outro processo, a empresa exige do jogador R$ 74.592,30, em valores de abril deste ano. A quantia, segundo a Elenko, é referente a empréstimo para ele pagar sua defesa em caso de suspensão por doping. O ex-corintiano parou de responder às mensagens da reportagem após ter conhecimento do assunto e não atendeu ao telefonema feito.
Diogo Vitor
Revelado pelo Santos e com passagem pelo Corinthians, Diogo Vitor, que atuou na Série D deste ano pelo Maringá, é cobrado pela Elenko em conjunto com a B2F Marketing Esportivo desde o fim de 2016 por empréstimo de R$ 150 mil.
Em novembro do ano passado, Elenko e B2F pediram a suspensão do processo alegando que não foram encontrados bens para penhora. Foi determinada a suspensão por um ano. O jogador não respondeu à mensagem encaminhada pela reportagem e não atendeu ao telefonema feito.
O que diz Garcia
A reportagem enviou 11 perguntas para o ex-conselheiro corintiano. Ele comentou parte dos casos. "Matheus Jesus fui eu que emprestei para ele", afirmou. "Mosquito também. Emprestei para ele fazer a festa de casamento. Muitas perguntas que você está fazendo ou alegando não existem", declarou.
Ele disse não conhecer Diogo Vitor e que a B2F deve ter feito o empréstimo. Porém, a petição inicial diz que as duas empresas emprestaram o dinheiro. A assinatura do empresário aparece na procuração dada ao advogado que representa a Elenko no caso.
O que diz Guilherme
O sócio de Garcia também deu sua versão dos fatos. "São casos que têm a ver com algum investimento para potencialização e caso essa potencialização não gere frutos para a Elenko, nada mais justo do que devolver".
"Ao longo de dez anos, devem ter passado mais de 400 clientes pela Elenko. Você vê que essa ocorrência representa menos de 1%. Justamente são os casos de atletas que não costumam honrar compromissos e ficam pulando de galho em galho", acrescentou.
Ponte Corinthians-Zenit
Fernando Garcia é amigo de Andrés Sanchez e irmão de Paulo Garcia, conselheiro vitalício do Corinthians, ex-candidato à presidência do clube e presidente da Kalunga. O empresário se afastou do Conselho Deliberativo depois de pressão de membros do órgão, iniciadas no final de 2014, pelo fato de o estatuto corintiano proibir conselheiros de terem relação com a agremiação na condição de agentes de atletas.
Fernando sempre teve bom trânsito no clube e emprestou dinheiro ao Corinthians. Sua empresa comprou fatias de atletas do Alvinegro quando isso era permitido. Garcia e sua agência também são fortes no Zenit. Em junho, mais um jogador do Timão agenciado pela Elenko acertou sua transferência para a equipe russa: Pedro. O atleta segue no Corinthians até fevereiro.
O Zenit adquiriu a prioridade de compra de Pedro na negociação em que vendeu Yuri Alberto ao Corinthians. Na mesma operação, foram envolvidos, de formas diferentes, Robert Renan, Mantuan e Ivan, hoje emprestado pelo Timão ao Vasco. Du Queiroz foi único atleta vinculado pelo Corinthians na negociação que não é representado pela Elenko.
Segundo Guilherme, Pedro é o único cliente da empresa no time profissional do Corinthians hoje. Ele disse não saber quais são os jogadores representados pela agência na base corintiana.
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