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Rafael Reis

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Super Liga europeia é um golpe de Estado com direito a constituição rasgada

Presidente do Real, Florentino Pérez também preside a Superliga - Divulgação/Real Madrid
Presidente do Real, Florentino Pérez também preside a Superliga Imagem: Divulgação/Real Madrid

18/04/2021 21h08

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O mundo do futebol funciona a partir das mesmas regras prestabelecidas há muito tempo. Os times de um determinado país disputam um campeonato nacional, com sistema de acesso e rebaixamento para divisões inferiores. E aqueles que obtêm os melhores desempenhos ao longo de uma temporada conquistam o direito de jogar torneios continentais.

São leis que regulam a prática futebolística profissional em quase todas as nações afiliadas à Fifa. Somente os Estados Unidos, por questões de tradição esportiva interna, países de população muito pequena ou onde o futebol é incipiente não adotam esse sistema.

Dá para falar tranquilamente que esse regulamento global é uma espécie de constituição futebolística.

Por isso, o anúncio da criação da Super Liga europeia, realizada na noite de hoje, por 12 dos maiores clubes do Velho Continente (Arsenal, Atlético de Madrid, Barcelona, Chelsea, Inter de Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Milan, Real Madrid e Tottenham), não é diferente de um golpe de estado.

A decisão de criar um campeonato para fazer frente à Liga dos Campeões, com "vagas eternas" para os clubes fundadores, zero possibilidade de rebaixamento e quase nenhum critério esportivo na definição dos participantes é uma "rasgada de constituição" capaz de fazer inveja a qualquer projeto de ditador.

Como quase sempre acontece em golpes de Estado, o motivo está longe de ser o bem geral ou o progresso da comunidade que será impactada por ele. Os criadores da Super Liga querem apenas mais dinheiro e poder.

Uma declaração resume bem esse pensamento elitista e despreocupado que impera entre os times mais poderosos da Europa: "Respeito muito o que a Atalanta está fazendo, mas eles não têm história internacional nenhuma. Tiveram uma boa temporada e, de repente, ganham acesso direto à maior competição europeia de clubes? Acham isso correto?"

A aula dessa filosofia supremacista foi dada por Andrea Agnelli, mandatário da Juventus, em março do ano passado. Para a surpresa de zero pessoas, o dirigente italiano foi agraciado com o cargo de vice-presidente da Super Liga.

A questão é que mesmo os torcedores desses clubes golpistas não parecem ter curtido muito a ideia da criação do novo campeonato. Bastou passear pelas redes sociais para perceber que a reação popular foi quase unânime: uma chuva de críticas, intercaladas com uma ou outra mensagem de prudência. Elogio mesmo foi quase impossível de encontrar.

E justamente aí que mora o grande perigo que ameaça a Super Liga e até mesmo pode colocar em xeque o futuro do futebol caso a competição realmente saia do papel e vire o torneio número um do calendário anual da modalidade.

O torcedor de futebol está tão acostumado à ideia de meritocracia esportiva que impera no "sistema Fifa", com as emoções provocadas por metas que vão além da conquista de um título, que dificilmente irá tolerar um torneio que funciona mais ou menos da mesma forma que as ligas esportivas norte-americanas.

Essa ideia pode até prosperar com fãs que não estão tão inseridos assim na plataforma vigente do futebol (o tão famigerado mercado asiático certamente é o alvo). Só que esses consumidores normalmente não são tão apaixonados pelos clubes quanto o catalão que torce para o Barcelona ou o londrino que derrama lágrimas pelo Chelsea.

A curto prazo, a criação da Super Liga até deve dar mais dinheiro aos seus clubes criadores, que se sentirão ainda mais poderosos do que no momento do golpe. Mas ao ignorar os desejos de quem realmente gosta de futebol, o torneio corre risco de, com o passar do tempo, minar a paixão pelo esporte e, consequentemente, matar sua galinha dos ovos de ouro.