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Rafael Reis

REPORTAGEM

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A história do xeque que invadiu o campo e anulou um gol na Copa do Mundo

Xeque do Kuwait conseguiu forçar a anulação de um gol na Copa-1982 - AP Photo
Xeque do Kuwait conseguiu forçar a anulação de um gol na Copa-1982 Imagem: AP Photo

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Era uma vez um homem muito poderoso, respeitado em seu país e dirigente de um time de futebol. Indignado com a validação de um gol sofrido por seus jogadores, que, na sua avaliação, parecia ser irregular, ele simplesmente deixou as tribunas do estádio e invadiu o gramado para discutir o lance com o juiz. Sua atuação como uma espécie de "VAR humano" deu certo, e o lance acabou invalidado.

Histórias semelhantes a essa já rolaram aos montes em campeonatos amadores e eventualmente acontecem também em torneios profissionais de países com regimes ditatoriais. Mas a cena descrita acima faz parte da história da Copa do Mundo.

É justamente para relembrar casos como esse, que não parecem caber na magnitude, na importância e no nível imaginado de profissionalismo do principal torneio de futebol do planeta, que o "Blog do Rafael Reis" inaugura hoje a seção "A Copa que até parece de mentira".

Sempre às quintas-feiras, contaremos histórias quase inacreditáveis que fazem parte da trajetória de mais de 90 anos da competição organizada pela Fifa, como essa do xeque do Kuwait que anulou na marra (ou na lábia) um gol na Espanha-1982.

O responsável por esse feito foi Fahad Al-Ahmad Al-Sabah, irmão do então emir (um cargo semelhante ao de rei) do país, presidente da federação nacional de futebol e, consequentemente, principal dirigente da seleção que estreava no Mundial.

No dia 21 de junho de 1982, o Kuwait fez sua segunda partida na competição. O confronto contra a França, que contava com o astro Michel Platini e era uma das favoritas ao título, era essencial para as pretensões árabes de avançar de fase.

Mas o que rolou no estádio José Zorilla, em Valladolid, não agradou nem um pouco o xeque. Os europeus foram marcando um gol atrás do outro e já venciam por 3 a 1 quando, aos 35 minutos do segundo tempo, Alain Giresse anotou o quarto.

A estranheza do lance é que, antes mesmo da finalização do francês, os defensores árabes já estavam todos parados. A alegação é que haviam ouvido um apito sinalizando um possível impedimento. Só que o som não veio da arbitragem, mas sim das arquibancadas.

Indignado com a validação do lance, Al-Sabah começou a gesticular das tribunas em direção ao campo. Como a movimentação enfática de nada adiantou, desceu até o gramado e, sem ser incomodado pela polícia espanhola, invadiu o campo.

De lá, conversou com o técnico da seleção do Kuwait, o brasileiro Carlos Alberto Parreira (que doze anos depois levaria seu país-natal ao tetracampeonato mundial), e o orientou que os jogadores deveriam abandonar a partida caso a decisão do árbitro não fosse revertida.

Só que o W.O. não foi "necessário". Afinal, o xeque conseguiu convencer o árbitro soviético Miroslav Stupar de que o gol precisava ser anulado. Seus argumentos, no entanto, jamais foram revelados ao público.

Após o reinício da partida, a França ainda marcou o quarto gol que Al-Sabah havia lhe tirado, venceu por 4 a 1 e acabou se classificando para a segunda fase da Copa. Na última rodada do Grupo 4, o Kuwait foi novamente derrotado, pela Inglaterra, e deu adeus à competição para qual nunca mais conseguiu se classificar.

Pelo comportamento inadequado do xeque, a entidade que administra o futebol na nação árabe foi multada em US$ 11.800 (R$ 63 mil). Quem se deu mal mesmo foi o árbitro da partida, que perdeu o escudo da Fifa e o direito de apitar jogos fora da URSS.

Al-Sabah, por outro lado, pôde continuar tranquilamente sua carreira como dirigente esportivo. Ele morreu oito anos depois da partida que o tornou conhecimento mundialmente, vítima de um ataque feito pelo exército do Iraque, durante a Guerra do Golfo.

A Copa do Mundo do Qatar-2022 será a primeira disputada no Oriente Médio e contará com a participação de sete das oito seleções que já levantaram a taça. Pela segunda edição consecutiva, a tetracampeã Itália não conseguiu a classificação e será baixa.

O torneio será disputado fora do seu período habitual por causa do calor que faz no país-sede no meio do ano, o auge do verão no Hemisfério Norte. Por isso, começará em 20 de novembro e tem a final marcada para 18 de dezembro.

Essa será a última edição da competição da Fifa com o formato que vem sendo utilizado desde a França-1998. A partir do Mundial seguinte, organizada por Estados Unidos, Canadá e México, serão 48 participantes na disputa pelo título.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado, Parreira venceu a Copa de 1994, doze anos após este incidente com a seleção do Kuwait. O erro já foi corrigido.