Rafael Reis

Rafael Reis

Siga nas redes
Reportagem

Como a Arábia, novo eldorado da bola, tenta apagar fama de liga caloteira

Karim Benzema, N'Golo Kanté, Roberto Firmino, Marcelo Brozovic, Kalidou Koulibaly e Edouard Mendy são algumas das estrelas que farão companhia a Cristiano Ronaldo na primeira divisão do futebol da Arábia Saudita a partir do dia 11 de agosto.

Mas o país que se transformou nas últimas semanas no novo eldorado do futebol mundial e revolucionou o Mercado da Bola oferecendo salários quase inimagináveis para atrair jogadores acostumados a brilhar no primeiro escalão da Europa tinha até pouco tempo atrás uma fama bem menos nobre: a de caloteiro.

Atrasos salariais e recusas em pagar valores previamente combinados a clubes vendedores por direitos econômicos de reforços contratados eram algo cotidiano na rotina de clubes que agora disputam astros que até pouco tempo atrás vestiam as camisas de Real Madrid, Liverpool, Chelsea e cia.

Histórico de mau pagador

"Os atrasos e não pagamentos anteriores eram comuns em alguns clubes em função de um pouco de falta de governança na organização do futebol local e também um pouco de cultura de lá", admitiu o advogado Marcos Motta, que trabalha com o Saudi Pro League, entidade que organiza o Campeonato Saudita.

Os calotes praticados pelo futebol saudita voltaram à tona na semana passada, quando a Fifa proibiu o Al-Nassr, time de CR7, de registrar novos jogadores por conta de uma dívida de 2018 com o Leicester decorrente da contratação do atacante nigeriano Ahmed Musa.

O Flamengo também já foi credor dos sauditas. Na década passada, precisou recorrer à Fifa para receber o dinheiro da venda do atacante Hernane Brocador. Em 2018, o clube chegou a ser proibido de disputar a Champions asiática por conta de dívidas não pagas e salários atrasados.

E os calotes não são exclusividade do Al-Nassr. Em 2012, o Al-Ittihad, que hoje tem Benzema como maior estrela, só pagou o Vasco por Diego Souza depois de interferência da Fifa. Na mesma época, o Al-Shabab atrasou as parcelas que devia ao Coritiba pelo meia-atacante Rafinha.

Calotes podem voltar a acontecer?

"Isso não deve se repetir porque esse projeto que já está valendo, com todas essas contratações, vem acompanhado de um plano muito sólido de desenvolvimento do futebol local em função de competições internacionais que vão sediar, inclusive da Fifa", afirma Motta.

Continua após a publicidade

Segundo o advogado, os responsáveis pelo futebol saudita estão garimpando dívidas ainda em aberto dos clubes da região para quitá-las o quanto antes a fim de evitar novos "transfer bans" e também melhorar a credibilidade do campeonato local.

Por que a Arábia está gastando tanto?

A chegada de tantos reforços de peso ao futebol saudita ao mesmo tempo não é coincidência, mas sim parte de um projeto da monarquia que é "dona" do país.

O governo local resolveu estatizar os quatro principais clubes, investir US$ 1 bilhão (R$ 4,8 bilhões) em salários e comissões de jogadores e tem feito de tudo para se transformar em um novo polo do futebol mundial por um motivo muito simples: deseja utilizar o esporte para melhorar sua imagem no cenário internacional.

O exemplo vem do Qatar, que investiu a rodo no Paris Saint-Germain e na organização da Copa do Mundo-2022 para tentar deixar de ser lembrado como um país que não respeita os direitos civis e ainda se utiliza de trabalho análogo à escravidão.

No caso da Arábia Saudita, a prática do "Sportswashing" está ligada ao longo histórico que conecta a nação à violação de direitos humanos (especialmente em relação às mulheres e à comunidade LGBTQIA+) e perseguição religiosa contra a minoria cristã que habita o país.

Continua após a publicidade

O próprio Bin Salman, provavelmente o próximo rei saudita, foi apontado por um relatório de inteligência norte-americano como mandante da morte do jornalista Jamal Khashoggi, um ferrenho opositor do governo árabe, ocorrida em 2018.

Foi depois desse acontecimento que a nação intensificou o investimento em futebol (também comprou o Newcastle, da Inglaterra) e se lançou como candidata a receber uma Copa ao longo dos próximos 20 anos —o plano, neste momento, é sediar o torneio de 2034.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes