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Renato Mauricio Prado

Vaidade e ambição levaram Jesus do paraíso ao inferno

Gualter Fatia/Getty Images
Imagem: Gualter Fatia/Getty Images

17/09/2020 04h00

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Confesso, até assistir à entrevista de Jorge Jesus, após a humilhante desclassificação do Benfica, na pré-pré Champions League, batido pelo inexpressivo PAOK, da Grécia, ainda tinha dúvidas sobre os reais motivos que fizeram o treinador abandonar o Flamengo, um mês após a renovação de seu contrato com o clube no qual vivia, sem sombra de dúvida, o momento mais glorioso de sua carreira.

Medo da pandemia descontrolada no Brasil? Vontade de atender ao pedido insistente de um grande amigo (o presidente do Benfica)? Proposta bilionária em euros? Problemas particulares? Pressão da família? Eram muitas as hipóteses, nenhuma confirmada pelo próprio Jesus, que jamais falou publicamente sobre o assunto. Suas primeiras palavras, na coletiva pós-derrota para os gregos, porém, dissiparam minhas dúvidas:

Fisionomia séria e abatida, admitiu "um sonho muito grande nessa competição" (Champions League), ressaltada como "a competição top no futebol mundial", e lamentou a falta de tempo para treinar: "se tivéssemos tempo, poderíamos chegar longe".

Era esse, sim, o seu grande objetivo. O verdadeiro e único motivo que o fez voltar para Portugal e para o Benfica, que acenou com a promessa da montagem de um elenco milionário que lhe permitisse lutar de igual para igual com os melhores times na "competição top do futebol mundial".

Certo de que é um dos mais capacitados treinadores do planeta ("Jorge Jesus só existe um!", cansou-se de repetir por aqui), o português não se conforma de não ser reconhecido como tal nos maiores centros da Europa. Seu sonho, confesso, sempre foi dirigir um dos gigantes do continente: Real Madrid, Barcelona, Liverpool, Manchester United ou seu vizinho, o City, por exemplo.

Só que nenhum deles se interessou por seu trabalho, mesmo com o estrondoso sucesso no Brasil. O Barça, inclusive, viveu uma crise monumental, que o levou a demitir o espanhol Quique Setién e a contratar o holandês Ronald Koeman, sem que, em momento algum, o então comandante do Flamengo tivesse sido seriamente cogitado para o cargo.

Com tantos treinadores portugueses fazendo sucesso, espalhados pelo mundo, o vaidoso Jesus viu como única possibilidade de ascensão ao olimpo de sua profissão, voltar para um Benfica poderoso, que lhe permitisse encarar de frente os monstros sagrados de seu ofício, como Guardiola, Klopp, Ancelotti, Zidane, Solskjaer, Koeman etc.

Sua ambição, entretanto, o tirou de um paraíso, onde dirigia o melhor time do continente americano e era idolatrado pela maior torcida do Brasil, para o inferno que se concretizou com essa eliminação precoce, que já causa expressivo prejuízo ao Benfica e uma saraivada de críticas a ele e ao presidente que o contratou.

- Estamos todos de ressaca - admitiu o conceituado jornalista português Luís Miguel Pereira, no Seleção Sportv. Não se compara o elenco do Benfica ao elenco do PAOK, que é um time da terceira, quarta divisão do futebol europeu. Foi um choque brutal. Ninguém esperava. O presidente do Benfica não sabe nem como se explicar aos associados. Foram contratados oito novos jogadores. Alguns muito caros. E ainda havia planos de comprar outros craques, como Gerson e Bruno Henrique, para a fase de grupos da Champions. Tudo isso agora se esvai. Frustraram-se todos os planos. Foi um baque enorme. O Benfica perde, imediatamente, 40 milhões de euros, por não chegar à fase de grupos. Fora diversas outras receitas que poderiam ser alcançadas com o avanço na competição. Se o time de Jorge Jesus tropeçar nas primeiras três ou quatro rodadas no Campeonato Português, até a reeleição do presidente, que está no poder há 17 anos, fica ameaçada.

Diante do inesperado e gigantesco fracasso, a partir de agora a ganhar o título nacional virou obrigação. Bem como conquistar a Liga Europa (onde Jesus já foi vice com o Benfica, duas vezes). Não são tarefas simples. E, com certeza, a saudade do Flamengo já bate forte, como ficou evidente numa de suas declarações após a derrota para o PAOK.

- Do time atual (do Benfica), só o Cebolinha seria titular no Flamengo - disse, quando lhe pediram uma comparação entre os dois elencos.

Nem ele, Jesus. Banco do Bruno Henrique, vá lá. Agora, quer um conselho? Esqueça, ao menos por enquanto, o rubro-negro. Quem sabe, no futuro? Você saiu porque quis, para perseguir o seu grande sonho. Pena que ele virou um baita pesadelo...

Em tempo: o confronto com os melhores europeus estava garantido, no Flamengo, no Mundial de 2021 da Fifa, em novo formato e para o qual o rubro-negro já está classificado. Faltou visão de futuro, ó pá!