Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
RMP: Meninos, eu vi! Parabéns, Zico!
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Dia 3 de março é Natal para a imensa torcida rubro-negra. Até onde sei, foi o jornalista Roberto Assaf que assim batizou a data, justificando que nesse dia, em 1953, nasceu o "Messias do Flamengo", Arthur Antunes Coimbra, o Zico, maior e melhor jogador a envergar o "Manto Sagrado", em todos os tempos. Em homenagem ao aniversariante, faço questão de republicar aqui no UOL, o texto que escrevi para o Globo, quando ele fez 60 anos (há nove, portanto).
"Sonhei certo dia que tinha voltado à infância. Cabeça no travesseiro, me vi novamente a bordo do Fusquinha de meu pai, a caminho do "maior e mais belo estádio do mundo".
No Motorola do carro, as inconfundíveis vozes de monstros sagrados do rádio, como Waldir Amaral, Jorge Curi e João Saldanha. Estávamos em meados dos anos de 1960, época difícil de torcer pelo Flamengo. O clube até ganhou dois campeonatos na década (1963 e 1965), mas nunca chegou a ter um grande time.
Como é comum nos sonhos, as imagens se misturavam. Ora me via em meio ao "vendaval de bandeiras rubro-negras" que saudava a entrada dos jogadores no gramado, ora deixando, cabisbaixo, o "deserto e adormecido gigante do Maracanã", com o velho praguejando ao volante:
- Bando de pernas de pau, meu filho! Você precisava ter visto o Flamengo nos tempos de Biguá, Bria e Jaime. E, principalmente, de Zizinho! Quando voltará a surgir um Zizinho na Gávea?
E, dentro do meu sonho, eu sonhava! Quando? Quando poderei ver um supertime envergando o Manto Sagrado? E um craque, um cracaço de verdade, para acabar a minha inveja de Gérson, Jairzinho, Paulo César, Paulo Borges e tantos outros algozes do Fla, então? Um jogador capaz de empolgar meu exigente pai que, no máximo, elogiava o argentino Narciso Doval, fazendo sempre e imediatamente a ressalva:
- No meu tempo, o Flamengo tinha onze Dovais!
Como sonhos não obedecem à lógica, eis que me vejo, já adolescente, folheando uma revista de esportes. E lá estava a fotografia de um garoto louro, com a camisa rubro-negra e socando o ar, na comemoração de um gol no campeonato juvenil. Tinha a minha idade, morava em Quintino e naquela reportagem explicava como nascera o seu apelido:
- Arthur, Arthurzinho, Arthurzico, Zico.
Daí pra frente, o que parecia prenúncio de pesadelo começou a se tornar sonho inesquecível. E nele eu acompanhava, bem de perto, a ascensão e a glória de um autêntico supercraque - o maior da história do Fla.
Era um grande artilheiro? Muito mais que isso! Como disse certa vez Gilberto Gil, em visita à Gávea, Zico era ao mesmo tempo arco e flecha. Perfeita definição de um artista que conseguia ser, simultaneamente, maestro e solista. Absolutamente brilhante na execução das duas funções.
Quanta emoção naquela cobrança perfeita de corner, na cabeça de Rondinelli, aos 45 do segundo tempo, em 1978! E era apenas o início de uma sucessão alucinante de títulos e glórias.
O Campeonato Brasileiro era tabu para o Flamengo? Pois, com Zico, enfileirou logo três (1980, 1982 e 1983). E ele foi fazendo mais, muito mais, num roteiro tão espetacular que poderia virar filme épico e glorioso em Hollywood. Barbada para o Oscar.
O Fla era freguês do Botafogo? Na era Zico, inverteu-se a freguesia. E (sonho dos sonhos!) até aqueles doídos 6 a 0, de 1972, foram devolvidos com juros: primeiro, um 6 a 0 e, depois, um 6 a 1. Alma mais lavada, impossível! Chegara, enfim, o tão esperado Messias!
Praticamente em sequência, foram quatro estaduais, uma Libertadores, um Mundial Interclubes e três Brasileiros. Surgia, sob o seu comando e com o apoio luxuoso de coadjuvantes de primeira linha (Júnior, Leandro, Nunes, Mozer, Andrade, Adílio, Tita etc.), o esquadrão capaz de me fazer telefonar para o meu pai, do outro lado do mundo (e a ligação era cara!!!) só para lhe dizer, emocionado, no histórico mês de dezembro de 1981:
- Velho, esse time é melhor do que aquele seu dos "onze Dovais". E o Galo não fica nada a dever ao Mestre Ziza. Pelo contrário!
Que sonho! E eu acompanhava tudo de pertinho! Não, eu não queria acordar jamais!
Quase caí da cama, entretanto, quando Zico trocou o Fla pela modesta Udinese. Já fazia força para despertar quando o filho pródigo retornou, dois anos e pouco depois, ainda a tempo de faturar mais um Brasileiro, que a turma do arco-íris insiste em chamar de Copa União. Invejosos. Quem pode ter um sonho como o meu, nos últimos 30 anos?
Infelizmente, acordei em 1990. O sonho acabara. Zico pendurava as chuteiras. E só aí eu me dava conta de que, na verdade, sonhara acordado.
Muito obrigado, Galo. E parabéns pelos sessentinha (agora, 69). A gente está ficando "experiente", hein?
P.S: Esse texto foi publicado originalmente no dia 03/03/2013. Na capa de Esportes do Globo.
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