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Renato Mauricio Prado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Meu maior ídolo rubro-negro não é o Zico

Renato Maurício Prado

13/08/2022 22h54Atualizada em 13/08/2022 22h56

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Aproveitando o ensejo (cáspite) do Dia dos Pais vou fazer aqui uma confissão: meu grande herói rubro-negro não é Arthur Antunes Coimbra, disparado o melhor jogador que vi com a camisa do Flamengo (e um dos maiores do mundo, em todos os tempos). Zico ocupa o segundo posto no ranking do meu coração de flamenguista.

O dono do lugar mais alto em qualquer pódio da minha cabeça é o "velho" Renato, meu pai, que me ensinou a amar incondicionalmente as cores vermelho e preta e fez também que eu me apaixonasse pelo esporte, de uma maneira geral, entendendo-o, antes de mais nada, como lição de vida. Que saudade dele, que se foi há 30 anos, no dia mais triste da minha existência.

Foi em seu colo, nas cadeiras azuis do velho Maracanã, abarrotado de gente (oficialmente, 177.020 pagantes e, dizem, mais de 200 mil pessoas a bordo, daí a falta de lugares, com torcedores sentados nas escadas, no colo e espremidos entre um e outro degrau das arquibancadas) que vi o primeiro título do Flamengo, no Fla-Flu da decisão do Carioca de 1963.

Daquele jogo lembro-me apenas do meu deslumbramento, com o lindo show colorido das bandeiras desfraldas de lado a lado; de uma bomba de meia-distância de Carlinhos Violino, meio-campo do Flamengo, que explodiu no peito de Castilho, goleiro do Fluminense; e, no último lance perigoso do jogo, do chute por cima de Escurinho, ponta tricolor, com o arqueiro Marcial, do Fla, saltando e batendo com a mão no travessão, para comemorar o 0 a 0 que deu o campeonato ao rubro-negro.

A partir desse dia, passamos a ir sempre ao Maracanã juntos. Mas os tempos que se seguiram não foram tão auspiciosos. Apesar de nova conquista estadual, em 1965, ano de ouro de Silva, o Batuta (foi o primeiro jogador que tive como ídolo), formando com o "Pernambuquinho" Almir, uma dupla de ataque infernal, o final dos anos 60 mostrava um Flamengo tecnicamente bem inferior ao Botafogo (bi bicampeão 67-68), ao Fluminense (campeão em 69) e até ao Bangu (campeão em 66, em cima do rubro-negro, com direito a baile e briga generalizada na final). Sem falar no Vasco, nem tão brilhante, vencedor em 70.

Eram tempos de Fio (maravilha apenas na canção de Jorge Ben), Néviton, Buião, Caldeira, Onça, Sapatão, Tinho, Cardosinho e outros tantos pernas-de-pau do gênero. Que levavam meu pai à loucura e o faziam disparar os mais cabeludos impropérios, quando retornávamos do estádio no nosso intimorato fusquinha, ouvindo no Motorola do carro os comentários de João Saldanha e Rui Porto.

"Está deserto e abandonado o gigante do Maracanã", anunciava com seu vozeirão Waldir Amaral. E começava o discurso enraivecido do meu velho:

- Bando de pernas de pau, meu filho. Parece o time do Benjamim Constant (Instituto de educação para cegos), jogando sem guizo na bola. Ou o time do leprosário! - bufava, em tempos pra lá de politicamente incorretos.

O único jogador que ele respeitava era o argentino Narciso Horácio Doval, de fato um cracaço que o Flamengo trouxera do San Lorenzo.

- Na época que eu tinha a sua idade, Alemão (era assim que ele me chamava, por ter sido louro na infância), o Flamengo tinha onze dovais! - repetia, relembrando épocas de ouro, com Zizinho, Domingos da Guia, Valido e tantos outros craques que não tive a felicidade de ver jogar.

Quis o destino que eu me tornasse jornalista, enveredasse pela área de esportes e acabasse acompanhando, como repórter setorista, o Flamengo, a partir dos anos 80. E, como num passe de mágica, refez-se a história de glórias. Não foi à toa que, após a conquista do Mundial, em Tóquio, eu fizesse questão de gastar uma boa grana, num telefonema internacional (não havia celular, nem internet, crianças!) para dizer ao meu pai, com a voz embargada pela emoção:

- Está aí, velho, o time de onze "dovais". Com um jogadoraço (Zico) à altura do Zizinho. Está aí o Flamengo que você tanto queria.

Felizes, soluçamos juntos ao telefone. E fico sempre com os olhos cheios d'água quando me recordo disso. Porque papai pode ver e viver, pelo menos, duas épocas áureas do Flamengo. A do primeiro tricampeonato, com o Mestre Ziza, Domingos da Guia, Biguá, Bria e Jayme (pai do Jayme de Almeida), Valido e Pirilo e a do primeiro título da Libertadores, com Zico, Júnior, Leandro, Andrade, Adílio, Mozer, Tita etc.

Sinceramente, não sei pra aonde vamos depois que morremos. Só sei que, nos tempos dourados de Jorge Jesus, após cada título, fiz questão de tomar um uísque (sua bebida predileta, que também me ensinou a gostar), pensando nele. E no que conversaríamos sobre essa nova versão do time de "onze dovais".

Será que lá de cima o "velho" acredita em novas glórias, agora sob o comando de Dorival? Consideraria Arrascaeta maior que Agustin Valido, argentino herói do primeiro tricampeonato? E Gabigol? O colocaria à frente de Pirilo e Nunes? Como eu gostaria de tê-lo ainda ao meu lado para conversar sobre isso e muito mais...

Esteja onde estiver, meu pai, obrigado por tudo. Pela educação firme, pelos valores éticos e morais que me foram passados, pelo apoio incondicional em todos os momentos e, claro, por ter me feito Flamengo. Você foi meu ídolo, meu herói e meu maior amigo. Por isso estará sempre no topo do meu pódio. Me perdoe, Zico! Mas aposto que você me entende e também tem o velho Antunes na sua pole-position.